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Opinião|A censura tropical

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Foto do author Carlos Castelo
Atualização:

Artigo nosso na revista espanhola de humor Mongolia, número sobre liberdade de expressão.

(Reprodução da capa da revista Mongolia, janeiro 2021)  

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Falta de liberdade de expressão está no DNA do Brasil. Ela já amordaçou artistas, formadores de opinião, jornalistas. Entre os humoristas então, sempre foi uma incomoda constante.

Um caso emblemático ocorreu, nos idos de 1934, envolvendo o humorista Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

Naquele ano, ele fundara o 'Jornal do Povo', no Rio de Janeiro. Nos dez dias em que sobreviveu, o jornal publicou em fascículos a história de João Cândido, um dos líderes dos marinheiros amotinados na Revolta da Chibata, acontecida em 1910.

Torelly terminou sendo raptado e espancado por oficiais da Marinha. Depois do episódio, ironicamente voltou à redação e colocou uma placa na porta onde se lia: "Entre sem bater".

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No período mais obscuro da ditadura militar no Brasil, com o Ato Institucional número 5, editado em 1968, a situação voltou a recrudescer. Piadas, charges ou qualquer manifestação cômica sobre a situação do país deveriam ficar bem longe das vistas da população. Nem mesmo as anedotas que "deturpassem" a moral e os bons costumes seriam toleradas.

Na década de 1970, uma das publicações mais populares do país, em plena ditadura militar, era um jornal satírico: o carioca 'O Pasquim'.

No final de 1970, quase toda a sua redação foi para trás das grades. Um a um, seus jornalistas e humoristas foram sendo caçados e conduzidos a um quartel do Exército.

Os militares poderiam ter impedido que o 'O Pasquim' continuasse circulando. Contudo, a popularidade da publicação era tão grande que optaram por sufocá-la lentamente, através de censura prévia, de modo a diminuir a tiragem e afastar possíveis anunciantes.

As proibições entraram até mesmo pelo improvável terreno da Publicidade. Em 1974, o Ministério da Justiça determinou a suspensão de um comercial de banco estatal que usava um personagem do cartunista Ziraldo.

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O motivo: o humorista era considerado "suspeito de atividades ou, quando muito, de simpatizar com movimentos esquerdistas".

Nos anos 1980, eu mesmo posso dar um testemunho. A ditadura de caserna ainda vigorava e o grupo de humor musical do qual eu fazia parte, o Língua de Trapo, sofreu com a censura federal. Chegaram a proibir a execução de algumas músicas de nosso primeiro disco.

No século XXI, os censores não são mais tão distraídos assim. A pedido de seus chefes, elaboram minuciosos dossiês sobre os inimigos do regime.

Alberto Benett, autor da

?s=20">ilustração deste artigo, integra uma lista de 81 supostos "detratores" do governo Jair Bolsonaro.

O relatório recomenda "monitoramento preventivo" de alguns dos elencados. Algo que só se ouvia falar nos tempos em que Josef Stalin mandava a KGB conduzir aos gulags os desavisados que cometiam chistes contra a sua administração.

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A tendência de impedir a liberdade de expressão, como foi o caso da

?s=20">Mongolia, transmutou-se em garrote econômico. Talvez fosse o caso de seus criadores colocarem, na porta da redação, um cartaz onde lê-se: "Entre sem multar".

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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