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Dicas e curiosidades sobre animais

Por que pais mimam seus filhos e tutores seus pets?

Após a geração de crianças mimadas, chegamos aos animais de estimação mimados. Mas isso é bom ou ruim? Nada na vida é tão simples e dicotômico. Por isso, te convido a analisar esse assunto mais profundamente.

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Foto do author Luiza  Cervenka
Por Luiza Cervenka
Atualização:

mimar é cercear o desenvolvimento - familywilliams2010/Creative Commons Foto: Estadão

Quando pensamos em uma criança mimada, já vem aquela imagem, senso comum, de uma criança chata, birrenta, que tem tudo que quer, cujos pais não dizem não e entulham a criança de presentes e bens materiais, independentemente da classe social.

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Ao falarmos de cachorro, costumamos pensar no mesmo cenário. Um cachorro mimado é aquele que chora para tudo, ou faz faniquito por querer algo, que late para conseguir o que quer e é atendido prontamente. Em sua casa, há mais coisas para o animal, do que para o próprio humano.

Um dos primeiros erros comuns é comparar um cachorro mimado a um animal humanizado, tratado como se fosse um bebê humano peludo. Não necessariamente uma coisa está relacionada a outra.

Mas compreender as características de um animal mimado não chega ao cerne na questão. A minha pergunta foi: "o que leva pais e tutores a mimarem seus filhos e animais?" e mais: "quais as consequências de uma criança e um cachorro ser mimado?".

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cachorro mimado não é cachorro humanizado - Carter Mayer/Creative Commons Foto: Estadão

Crianças mimadas

Para entender como funciona o processo de desenvolvimento de uma criança mimada, busquei a psicóloga Thais Azevedo, especialista em psicoterapia com crianças e adolescentes. Thais me explicou o que significa uma criança ser mimada sob a luz da psicologia: "Uma criança dita mimada dispõe de pouco estímulo ou repertório para lidar com a frustração, pois tende a ser poupada de suportar ou enfrentar tais situações ".

Segundo a psicóloga, ser mimado não tem relação necessariamente com a quantidade de brinquedos ou bem materiais que aquela criança possui. A chave da questão está no seu desenvolvimento. "Quando pequena, o círculo social da criança é bem mais restrito que o de um adolescente, por exemplo, pois este tem maior autonomia e liberdade para decidir suas interações. Ou seja, na infância, o contato com o outros é em grande parte mediado pelos pais. Cabe às figuras paternas apresentar aos filhos experiências que eles encontrarão fora de seu contorno, inclusive a frustração". Para a psicóloga, quando as crianças são privadas dessa vivência desde o seio familiar, o desenvolvimento de suas competências sociais fica bastante comprometido, já que vê o mundo com os olhos do adulto. "Nessa privação de frustração, a criança vai esperar que esse mundo (assim como seus pais) lhes forneça tudo, sem que ela exerça qualquer investimento, operando ao seu bel prazer" explica.

Segundo Thais, é importante sustentar as frustrações da criança. "Isso é afeto. Permitir e acolher os filhos nessas situações é priorizar o cuidado. O espaço social não vai ter essa mesma qualidade de cuidado, como dos pais. E é cruel alimentar na criança (ainda que indiretamente) a expectativa de que os outros mantenham essa conduta" pontua.

O que mais me chamou atenção em toda a minha conversa com a Thais foi o quanto os pais impossibilitam ou retardam o desenvolvimento do filho, apesar da genuína intenção de facilitar, já antecipando os possíveis "nãos" que a criança pode tomar. "Os pais passam a nomear, antecipar as falas e os comportamentos da criança" fala Thais. O exemplo mais clássico é aquele em que a mãe toma a dianteira para resolver uma necessidade da criança, como descobrir onde é o banheiro e leva-la, sem que a própria criança crie habilidades para descobrir e resolver a situação sozinha. Segundo a psicóloga, tudo isso está relacionado ao medo da frustração. "Se a criança for pedir, há a possibilidade de ser negado, mas quando os pais pedem pela criança, esse risco diminui" pondera Thais.

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O grande problema dessa criança mimada ou poupada em demasia é a consequência emocional. Segundo a psicóloga, essas crianças normalmente manifestam insegurança, uma vez que não lidam com o risco, por muitas vezes disfarçadas de autoritárias. "Há uma extrema insegurança e falta de habilidade em nomear os próprios desejos. Logo, no atalho de ser atendida, a criança o faz em alto e bom tom para diminuir a chance de sofrer a frustração" alerta.

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A terapeuta infanto-juvenil destaca que uma criança, com tal dependência dos pais, tem sua autonomia comprometida em vários aspectos: dificuldade em criar ou escolher algo; evitar lidar com o novo e pouco interesse pela vida ou informação do outro. Além disso, por pouco terem sido autorizadas a acessar o que pensam ou sentem (pois alguém o fez por ela), quando questionada sobre algo que mais gosta, tem dificuldade de nomear ou se expressar.

Mas e aquela criança que não é mimada? Segundo Thais, uma criança que lida bem com frustração não é aquela que não se frustra, mas que se frustra e se recupera dela de uma forma muito mais saudável. "A criança que não teve sua liberdade cerceada, tem movimento e interação com o novo de uma maneira mais genuína e interessada".

Isso te remete a alguma situação com cachorro, por exemplo, com receio de interagir com algo novo?!

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Cachorros e crianças mimadas evitam interagir com o novo - Jami Russell/Creative Commons Foto: Estadão

Como são os pais das crianças mimadas?

Segundo Thaís, esses pais investem em controle para que o ambiente se mantenha previsível. Se a criança berra para algo, é oferecido o que ela deseja para que a previsibilidade seja mantida. "Como a criança não se vê como realizadora da ação, coloca o adulto como realizador e mediador para conquistar uma ação ou objeto e é atendida prontamente" diz.

O motivo para que os pais hiper-controlem o ambiente, segundo a psicóloga, pode ser insegurança ou a falta de compreensão sobre desenvolvimento da criança e suas necessidades. "Todos os pais deveriam ter conhecimento sobre desenvolvimento infantil para poder prover uma melhor educação aos seus filhos. Uma vez que se conhece o que é esperado e demandado para aquela fase, os pais ficam mais disponíveis para o que aquele momento de desenvolvimento apresenta e necessita" elucida.

Outro fator, para a entrevistada, envolve a questão social, de evitar ser constrangido pelo fato do filho estar fazendo aquela cena em público: "Os pais, movidos pela busca de confirmação alheia, desconectam das reais necessidades do filho e se fixam na suas próprias, como evitar julgamento alheio" alerta.

Por fim, a psicóloga ressalta casos em os pais ficam aprisionados ao lugar deles, enquanto crianças que foram, ao repetirem o modelo de educação dos seus pais, ou mesmo depositar com veemência na criança aquilo não foi ofertado a eles mesmos. "A conta de uma frustração do passado desse pai ou dessa mãe não pode ser paga pelo filho; caso contrário, temos um inabidilidade em cadeia pulsando de uma geração para outra nessa familia" infere Thaís.

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Segundo a psicóloga, oferecer um agrado, um afeto, é um mimo bom, que os pais podem fazer: "pensa no mimo que o restaurante deu para o cliente. Isso é feito após a conta estar paga", brinca. "Fazer a comida que seu filho mais ama ou qualquer empenho para deixá-lo feliz e sentir-se amado não é o problema, desde que não esteja poupando a autonomia da criança" destaca a especialista.

como são os cachorros mimados? - Bisayan lady/Creative Commons Foto: Estadão

E os cachorros mimados?

Toda essa explanação de Thaís vai muito de encontro ao que eu observo junto aos tutores e seus cães. Um cachorro mimado não é apenas aquele que tem duzentos mil brinquedos. Nem mesmo aquele que late loucamente por atenção.

Um cachorro mimado é aquele que não tem suas necessidades atendidas corretamente. Isso acontece quando o tutor não busca informações acerca daquela espécie. Assim, oferece um ambiente e uma educação baseada em parâmetros humanos.

Com a melhor das intenções, os tutores de cachorro mimados, buscam um comportamento perfeito e exemplar dos seus peludos. E, muitas vezes, não permitem que os cães sejam cães, inviabilizando comportamentos naturais, como cheirar o rabo alheio ou explorar um ambiente novo.

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Assim, os tutores passam a oferecer coisas, brinquedos e acessórios que sejam de seu interesse, não dos animais.

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A consequência pode ser a mesma da criança mimada: um cachorro inseguro, com medo de interagir com o novo, mesmo que esse novo seja um outro cachorro. Um cachorro mimado é aquele que busca a aprovação do tutor, através do olhar, para tudo que for fazer.

Educar um cachorro ou ser humano requer uma disponibilidade muito grande. Além de muita paciência. Muitas vezes, o que eu encontro é uma ansiedade do tutor em querer que seu cachorro aprenda rapidamente. E, em contra-partida, tem dificuldade em se envolver 100% no tratamento de melhora do animal. A frustração do aguardar é grande. Educar não é fácil.

Não é fácil por colocar em cheque os nossos conceitos e aprendizados. Quando jogamos a "culpa" do comportamento inadequado no outro, nos eximimos da responsabilidade. Mas quando solicitamos o auxílio de um profissional, vemos o quanto devemos alterar o nosso comportamento e crenças para que haja o efeito no animal, ou mesmo na criança.

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A grande resistência que eu observo nos tutores, em relação a implementação dos enriquecimentos ambientais que eu proponho, é o medo do cachorro não conseguir ou de se machucar. Antes mesmo do animal tentar solucionar um desafio, o tutor se antecipa para mostrar como faz.  Algo semelhante aos pais das crianças mimadas, não?!

Há uma diferença muito grande entre deixar tudo e deixar o que precisa. "Quando se deixa tudo, não há critério do que pode acontecer, além de não oferecer o contorno à criança. Quando os pais deixam o que precisa, eles fornecem condições para que haja uma sensação de segurança que enseja liberdade e confiança na criança" finaliza Thaís.

Não estou comparando crianças e cães. Comparo apenas o processo de aprendizado e a nossa atitude, enquanto tutores. Será que a minha insegurança faz com que eu cerceie o comportamento natural do meu cachorro e propicie desvios comportamentais? Provavelmente sim.

Antes de apontar o dedo para o cachorro e dizer o quanto ele é culpado por tal comportamento, olhe para si e entenda o porquê desta atitude e o que ela causa em você.

Os cães podem ser ótimos facilitadores para buscarmos o autoconhecimento.

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