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Direitos da criança e do adolescente

O desafio da implementação do ECA em tempos de crise humanitária

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Por Bruna Ribeiro
Atualização:

 

Artigo de Márcia Monte, assistente social especialista no Enfrentamento à Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes na ONG Visão Mundial

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Neste 13 de julho, o Brasil comemora os 31 anos da Lei 8069/1990, que estabeleceu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Constituído em 1990, o ECA é um marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes no país. Ele surgiu para garantir a proteção efetiva de meninas e meninos brasileiros sob os cuidados de uma legislação específica.

Apesar de ser uma lei de vanguarda, ainda estamos longe de garantir a implementação em sua totalidade, principalmente com a pandemia de COVID-19 e as consequências nos campos econômico, político e social, resultando em uma grave crise humanitária.

Segundo dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), mais da metade da população (55,2%) estava em situação de insegurança alimentar no final de 2020. Ou seja, não tinha certeza se haveria comida suficiente em casa no dia seguinte. A sondagem mostrou que 116,8 milhões de brasileiros conviveram com algum grau de insegurança alimentar, sendo que 9% do total vivenciaram insegurança alimentar grave; ou seja, passaram fome.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa média de desemprego no Brasil era de 14,3% no trimestre encerrado em janeiro de 2021, a mais alta desde 2012, quando começou a série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).

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Divulgado em abril de 2021 pelo UNICEF em parceria com o Cenpec Educação, o estudo Cenário da Exclusão Escolar no Brasil - um alerta sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na Educação mostra que mais de 5 milhões de brasileiros de 6 a 17 anos não tinham acesso à educação no Brasil em novembro de 2020, número semelhante ao que o país apresentava no início dos anos 2000. Em 2019, havia quase 1,1 milhão de crianças e adolescentes em idade escolar obrigatória fora da escola no Brasil. Ou seja, o aumento da exclusão escolar foi bastante relevante.

Ainda segundo o documento, a exclusão escolar afetava principalmente quem já vivia em situação mais vulnerável. A maioria fora da escola era composta por pessoas pretas, pardas e indígenas, somando mais de 70% do total.

O relatório Child Labour: Global estimates 2020, trends and the road forward (Trabalho infantil: Estimativas globais de 2020, tendências e o caminho a seguir - disponível somente em inglês). da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), mostra que o número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil chegou a 160 milhões em todo o mundo - um aumento de 8,4 milhões de meninas e meninos nos últimos quatro anos, de 2016 a 2020. Além deles, outros 8,9 milhões correm o risco de ingressar nessa situação até 2022 devido aos impactos da Covid-19.

Além do agravamento da fome, da exclusão escolar e do trabalho infantil, percebe-se nas cidades brasileiras um aumento da violência contra adolescentes e jovens das periferias, gravidez e casamento precoces, dentre outras violações.

É importante lembrar que o ECA é fruto de uma luta coletiva, envolvendo diversos setores da sociedade civil. Por esta razão, ele é hoje uma das leis mais avançadas no mundo no que se refere à defesa da infância. Considerando os percalços da nossa jovem democracia, marcada por avanços e retrocessos nestes poucos 31 anos históricos, a trajetória do ECA tem marcos importantes para o país, como a implementação de Conselhos Tutelares em todas as regiões do Brasil, atendendo a quase 100% dos municípios brasileiros.

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O ECA também inspirou a criação de leis destinadas à proteção contra violências, trabalho infantil, evasão escolar, dentre outras problemáticas que afetam nossas crianças e adolescentes.  Uma das maiores conquistas, porém, está em sua essência democrática: ao iniciar seus artigos, o ECA resgata o sentido de crianças e adolescentes a todos os brasileiros até 18 anos.

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Diferente de lei anteriores que estigmatizavam a criança pobre, a partir do Estatuto, o olhar do país passou a ser direcionado para ver crianças e adolescentes iguais em direitos, sem exceção.  E no artigo 4, ele conclama a todas as pessoas como responsáveis pela garantia dos direitos da infância e da adolescência.

Ao estabelecer o atendimento pelo Conselho Tutelar, esta lei coloca para a sociedade a responsabilidade de escolha de conselheiros e conselheiras.  Na política de atendimento estabelecida no artigo 86, fala-se de "um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios". Percebe-se, desta forma, a intencionalidade do Estatuto de envolver a todas as pessoas, estabelecendo suas responsabilidades na defesa da infância.

É verdade que não é fácil avançar rapidamente com uma lei tão democrática, lutando contra nossas raízes históricas de desigualdades. Entretanto, o compromisso da sociedade brasileira deve ser o de avançar na implementação deste instrumento que chama para ação toda a sociedade, tirando das mãos de um só ator todas as forças e poder para a solução dos problemas.

Que neste dia 13 de julho, aniversário do ECA, possamos festejar este marco democrático e voltar à leitura e reflexão do mesmo, garantindo que nossa democracia seja fortalecida, respeitada e a participação de toda a sociedade seja garantida, conforme preconizado nesta Lei.

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