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Direitos da criança e do adolescente

Jovem é chicoteado em supermercado e a violência histórica contra crianças e adolescentes negros

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Por Bruna Ribeiro
Atualização:

Essa semana começou difícil. Na última segunda (2), veio à tona o caso de um rapaz de 17 anos que foi chicoteado após furtar uma barra de chocolate, dentro do Supermercado Ricoy, na Cidade Ademar, zona sul de São Paulo.

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Divulgado pela imprensa, o vídeo é de extrema violência. Impossível tirar as cenas da cabeça. E não tem como não associá-las à urgente pauta da violência história contra as crianças e jovens negros.

A vítima foi despida, amordaçada, amarrada e passou a ser torturada com um chicote de fios elétricos trançados, por quarenta minutos. Um retrato cruel da escravidão inacabada. De acordo com informações divulgadas pela mídia, o rapaz vive nas ruas desde os 12 anos, quando perdeu o pai.

Como venho abordando em vários posts aqui do blog, a questão das crianças em situação de rua precisa ser analisada a partir de uma perspectiva integral de garantia de direitos. Não é o furto de um chocolate em si. É preciso ver além da cena, o que levou o rapaz até aquela condição. Sem a garantia integral dos seus direitos, muitas crianças e adolescentes ficam condenadas à reprodução do ciclo da pobreza e à violência.

Para isso precisamos ter um olhar crítico para a história. Não é mera coincidência que um rapaz negro tenha sido vítima de uma tortura comum à época da escravidão. Recentemente falei sobre a Lei do Ventre Livre e acredito ser importante resgatar aqui.

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De 1871, a Lei do Ventre Livre é reconhecida pelos especialistas como uma das políticas responsáveis pelo surgimento de crianças em situação de rua. Quando nascia, o filho do escravo não ficava livre imediatamente. Aos 8 anos, o senhor decidia se queria libertá-lo ou não.

Caso a resposta fosse positiva, o senhor recebia uma indenização do Estado. Caso contrário, a criança era obrigada a trabalhar até os 22 anos.  A partir de então, o país adotou uma conduta violenta, racista e preconceituosa com suas crianças.

Crianças não eram vistas como sujeitos de direitos. Tanto que em dezembro de 1964 foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem). Na época, o documento legal vigente para as crianças e adolescentes era o Código de Menores, promulgado em 1927 como a primeira lei para pessoas com menos de 18 anos. O documento foi atualizado em 1979, mas manteve a mesma arbitrariedade, assistencialismo e repressão com a população infanto-juvenil.

Amparada pelo documento, a Funabem tratava as crianças em situação de rua como marginais. Aqueles que cometiam atos infracionais e aqueles que estavam simplesmente abandonados eram acolhidos pela mesma instituição. Depois renomeada como Febem, a instituição continuou desempenhando um papel violento e repressivo por muitos anos.

Nos anos 80 e 90 começou um forte movimento pelos direitos de crianças e adolescentes. A partir de muita luta e pressão social, é promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990. O ECA foi primeira legislação específica brasileira que regulamentou questões como adoção, acolhimento e medidas socioeducativas, amparado pela Constituição Federal de 1988.

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A defesa dos direitos de crianças e adolescentes visa erradicar de uma vez por todas a diferenciação entre "menor" e "criança" de acordo com a cor da pele e a classe social.

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Violência contra as crianças e jovens negros

As estatísticas nos mostram que os negros são as principais vítimas das violações de direitos. No caso do trabalho infantil, mais de 60% das crianças e adolescentes explorados são negros. O Atlas da Violência 2018 revelou o que chamamos de genocídio da juventude negra. O risco de um jovem negro ser vítima de homicídio no Brasil é quase três vezes maior que o de um jovem branco. Além disso, 76,2% das vítimas mortas em decorrência da intervenções policiais entre 2015 e 2016 são negras.

O olhar da sociedade está acostumado a encontrar os negros em condições de vulnerabilidade, mas isso precisa mudar. É preciso firmar um compromisso antirracista, incluindo os brancos no debate. O ciclo da pobreza e todas as dificuldades impostas dificultam o acesso dos negros ao estudo e ao trabalho decente.

O racismo institucional afasta os negros da política, de postos de decisão, das universidades e de profissões historicamente ocupadas por brancos. Também dita o que é "lugar de branco e lugar de negro".

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Caso de tortura

De acordo com o advogado Ariel de Castro Alves, a respeito do caso do rapaz chicoteado no supermercado, foi instaurado um inquérito policial para apurar crime de tortura. "A tortura é considerada um crime hediondo e ocorre quando alguém é submetido, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental. A lei 9455 de 1997 prevê penas de 2 a 8 anos aos acusados.

Direito de resposta ao Ricoy

A reportagem busca contato. O espaço está aberto para manifestação. (brunassrs@gmail.com).

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