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Direitos da criança e do adolescente

A festa da diretora da Vogue e a importância de debater racismo nas escolas

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Por Bruna Ribeiro
Atualização:

Outro dia li uma matéria sobre um manual infantil distribuído nas escolas municipais do Rio de Janeiro, com uma "brincadeira" encenando a escravidão. De acordo com reportagem do site Hypeness, a página 183 do "Manual do professor para educação física - 3º ao 5º anos"propõe que professores dividam alunos de 8 e 10 anos entre capitães do mato e escravos.

Recentemente também ouvi a história de uma diretora de escola particular que foi procurada pela mãe de um aluno, muito preocupada com a abordagem da escravidão em sala de aula, pois era um tema "muito pesado. Melhor não falar disso."

 Foto: Estadão

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Quando fico sabendo de histórias como essas, penso o quanto ainda não entendemos o que foi e quais foram as consequências da escravidão no país. É preciso falar mais, estudar, reparar os danos, para que a gente consiga seguir em frente como sociedade. O antirracismo é um compromisso também dos brancos.

Na semana passada, a festa de 50 anos da diretora de estilo da Vogue Brasil, Donata Meirelles, causou indignação nas redes sociais. O evento remetia ao período colonial do Brasil, marcado pela escravidão.

Em uma foto, a aniversariante apareceu sentada em uma cadeira ao lado de duas mulheres negras com trajes tradicionais, que estavam ali posicionadas para abanarem também os convidados, que podiam usar o cenário para tirar fotos.

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O ambiente escravocrata do Brasil colonial não pode ser um fetiche. A cena remete automaticamente à imagem da sinhazinha, acompanhada pelas escravas - que eram vistas como artigos de luxo. Em seu pedido de desculpas, Donata disse que a cadeira não era de Sinhá e sim de candomblé.

A justificativa não amenizou a situação, pois ainda assim está longe do razoável se apropriar de símbolos sagrados de uma religião afro-brasileira como adorno de uma festa que claramente remete ao período da escravidão. "Mas, como dizia Juscelino, com erro não há compromisso e, como diz o samba, perdão foi feito para pedir", finalizou. Ontem (13), a diretora se desligou da revista.

Repercussão

No Instagram, a  jornalista baiana Rita Batista postou duas fotos - a primeira tirada entre 1870 e 1880 e a segunda tirada em 2019 mesmo, durante a festa (fotos acima). "As escravas de casas ricas eram adornadas por seus próprios senhores. Quando saíam para as ruas acompanhando suas senhoras ou crianças, eram exibidas em trajes finos e carregadas de joias. A própria escrava era um objeto de ostentação do dono, um objeto de luxo a ser mostrado publicamente", escreveu a jornalista, citando o trecho do livro Jóias de Crioula, de Laura Cunha e Thomas Milz.

Também na mídia social,  a filósofa, feminista e acadêmica Djamila Ribeiro comentou o acontecimento: "O que me incomoda é a conivência das pessoas. As pessoas agem como se nada tivesse acontecido. Se a gente chega a um lugar onde as pessoas insistem em romantizar a tortura como algo banal, a gente está compactuando. Eu prezo pela integridade intelectual. Jamais vou compactuar e defender... É muito violento."

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O convite de Djamila é para que todos nós, como sociedade, firmemos o compromisso antirracista. Para isso acontecer, precisamos encarar a escravidão como ela realmente foi. Precisamos assumir o nosso racismo estrutural e as consequências de 400 anos dessa violência.

Essa discussão deve fazer parte dos almoços de família e, sim, deve estar presente nas escolas - não de maneira romantizada, com brincadeirinha de "capitães do mato e escravos." Não é tema de brincadeira. Não é tema de festa. Precisamos começar a encarar as coisas com a seriedade que elas exigem.

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