Como os casos de assédio sexual vão influenciar a temporada de premiações?

Academia do Oscar deve reagir premiando filmes que abordam empoderamento feminino

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Por Alessandra Monnerat
Atualização:
Kevin Spacey, Louis C.K. e Harvey Weinstein são acusados de numerosos casos de abuso e assédio sexual Foto: AP Photo/AFP Photo-Jeremy Chan/Andy Kropa-Invision

O comediante Louis C.K. é o mais recente a engrossar uma lista de homens reconhecidos e poderosos manchados por acusações de abuso e assédio sexual na indústria do entretenimento. De acordo com o site Consequence of Sound, desde o escândalo do produtor Harvey Weinstein, são 40 atores, diretores e outros artistas sob denúncias — muitos deles, donos de Oscars, Globos de Ouro e Emmys, como Kevin Spacey, Dustin Hoffman, Ben Affleck, Jeffrey Tambor e Matthew Weiner. Com as estratégias da temporada de premiações já em curso, Hollywood começa a responder a esse novo cenário.

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“A expectativa é ver como a Academia vai reagir”, afirma o crítico de cinema do Estado Luiz Carlos Merten. “No ano passado, em reação ao Oscars so White (movimento que pedia maior representação de indicados negros), aumentou também o número de votantes mulheres. Com isso, o tema do assédio sexual dificilmente vai passar batido”.

Especialistas na indústria já consideram que a carreira de Louis C.K. acabou — vencedor de seis Emmys e dois Globos de Ouro, dificilmente veremos o comediante nesta ou em outras temporadas de premiações. O filme mais recente do ator, I Love You Daddy, teve a estreia cancelada horas antes de uma reportagem do The New York Times relatar cinco casos de assédio. A distribuidora da produção, Orchard, já informou que o filme não entrará mais em circulação.

Ainda esta semana, a Sony Pictures fez uma jogada sem precedentes em Hollywood: substituir um ator após a finalização de um filme. O estúdio demitiu Kevin Spacey, acusado de uma série de abusos, do filme All The Money In The World, que estreia em um mês e já tinha campanha para o Oscar planejada. Christopher Plummer vai assumir o papel na produção do diretor Ridley Scott — e para o crítico de cinema Pablo Villaça, essa movimentação deve garantir uma indicação para o veterano como ator coadjuvante.

“A Academia quer mostrar que se preocupa com questões atuais. E uma questão absurdamente atual é o abuso na indústria. É possível que eles reconheçam esse filme e apoiem essa atitude da Sony”, comentou.

Jeffrey Tambor, ator de 'Transparent' e 'Arrested Development', negou "veementemente" a acusação de uma ex-assistente Foto: EFE/Mike Nelson

Nesse sentido, outro filme que deve se beneficiar do momento de transparência quanto a casos de abuso é Terra Selvagem, do diretor Taylor Sheridan. Vencedor do prêmio de melhor diretor na mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes, na França, a película era uma produção da The Weinstein Company. Depois de revelados os escândalos contra os diretores da companhia, Harvey e Bob, a outra financiadora do filme, Acacia Company, comprou os direitos da produção e retirou qualquer menção aos Weinsteins dos créditos.

Essa atitude, combinada à temática do filme — que aborda casos de abusos sexuais em reservas indígenas —, pode aumentar as chances de prêmios para a produção e para o ator coadjuvante Jeremy Renner. “De um ponto de vista temático e político, esse filme é extremamente relevante”, afirmou Villaça. “O Oscar é uma premiação política, não tanto de qualidade”.

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Para Merten, o momento é benéfico para filmes que colocam mulheres em lugares de protagonismo. Um exemplo é Lady Bird, comédia da atriz e agora diretora Greta Gewig. Ano que vem, também podemos ter surpresas, como a indicação de Mulher Maravilha, que também tem uma mulher na direção, Patty Jenkins. A última — e única — diretora a ser premiada foi Kathryn Bigelow, há quase uma década.

“O maior sucesso do ano nos Estados Unidos é Mulher Maravilha. E é raro que esse tipo de blockbuster seja indicado, mas é capaz que tenhamos uma indicação até mesmo para melhor filme. Essas denúncias podem ter a ver com o sucesso do filme”, disse.

É possível que Casey Affleck seja desconvidado no Oscar do ano que vem, afirmam especialistas na indústria. Foto: Lucas Jackson/Reuters

Além da disputa por prêmios, os casos de abusos sexuais também devem causar repercussões nas cerimônias. Isso quer dizer que provavelmente haverá muito cuidado na escolha dos apresentadores. Tradicionalmente, a Academia convida os vencedores das categorias de atuação para conceder os prêmios do ano seguinte. O que significaria que Casey Affleck, acusado de dois casos de assédio, daria o Oscar à melhor atriz em 2018. Mas petições online já pedem que ele não seja chamado para a festa.

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Villaça acredita que o descontentamento do público vai fazer com que o irmão de Ben Affleck seja desconvidado. “Ele ganhou no ano passado, mas o momento agora é outro. Esse vai ser um teste: se eles quebrarem essa tradição, acredito que realmente sinalizaria uma mudança”, disse.

A Academia do Oscar já deu sinais um novo tempo: no fim de outubro, Harvey Weinstein foi expulso da instituição, que prometeu estabelecer um novo código de conduta para avaliar denúncias contra membros. Villaça vê uma movimentação positiva nesse sentido. “Qualquer um desses caras acusados estava acostumado a agir com impunidade. Agora, eles não têm mais essa certeza e vão pensar um milhão de vezes antes de agir”.