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Uma empresa chamada Gisele Bündchen

Em entrevista ao New York Times, a top brasileira mostra por que se tornou a modelo mais bem sucedida de todos os tempos.  "Sempre fui uma trabalhadora, nunca me atrasei para um trabalho na vida. Sério, pergunte a qualquer um", diz

Por Guy Trebay
Atualização:
Negativos do livro "Gisele Bündchen", que tem 546 páginas com fotos da modelo Foto: Craig McDean/Art & Commerce, via TASCHEN

"Minha carreira nunca se baseou em beleza", disse recentemente uma das mulheres mais bonitas, testando a credulidade do interlocutor. Ela era Gisele Bündchen. E se o que deveria parecer um caso ruim de falsa modéstia de certa forma soou verdadeiro, é porque o interlocutor já conhecia “a lenda do nariz”.   As pessoas no mundo da moda costumam repetir, como um exemplo de como a moda é bagunçada, a história do começo da carreira de Gisele há duas décadas, quando muitas pessoas aconselharam-na a corrigir o que consideravam um defeito visível no rosto.   "É verdade", diz Angela Missoni, diretora criativa da empresa de sua família, a Missoni. "Gisele fez nossa primeira campanha com Mario Testino e nós usamos uma imagem linda, mas o cabelo dela cobria todo o rosto."

Para aquela campanha de 1998 da Missoni, a brasileira com o rosto sem poros, sorriso aberto, rosto simétrico (embora um pouco quadrado), apareceu quase completamente coberta por um véu de cabelos. "Mario não tinha 100% de certeza", afirma Angela. "Ele estava preocupado com o nariz dela."   “O que você pode fazer em momentos como aquele?”, Gisele pergunta. Você mantém o nariz que a natureza lhe deu e supera. "Mesmo antes de entrar no negócio, eu estava acostumada a sofrer bullying porque era alta e magra, então achava que sofrer bullying fazia parte da vida."

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  E então a mulher de 35 anos que apareceu 11 vezes na capa da Vogue americana, que tem um patrimônio estimado em mais de US$ 300 milhões, que recebe por dia, segundo cálculos da Forbes, US$ 128 mil; que, durante o ano ao qual se refere como "sabático", manteve contratos com Pantene, Procter & Gamble, Under Armour, Chanel No. 5, Carolina Herrera, Emilio Pucci e Balenciaga, e cujo nome aparece em produtos desde sandálias de plástico a lingerie explicou como foi para ela aparecer na cena da moda como uma garotinha com visual de menino de 14 anos do sul do Brasil.   "No começo, todo mundo me dizia 'seus olhos são muito pequenos, seu nariz é muito grande, você nunca vai poder estar na capa de uma revista'", conta. "Mas você sabe o que? O nariz grande vem com uma grande personalidade."   Ninguém argumentaria que o sucesso absoluto que Gisele teve em um ramo cruel e objetificador (no qual a vida útil de talentos comuns é, sendo otimista, de cinco anos) se deve muito à sua beleza. E, mesmo assim, existem "muitas, muitas meninas bonitas" no mundo, cujos nomes ninguém lembra, como Angela Missoni observou. "Com Gisele, tem algo diferente, a energia dela", diz. "Claro, ela é linda, mas ela também tem um carisma especial, uma presença, uma normalidade muito sensual."

Normalidade sensual é uma forma muito curiosa de descrever alguém cuja caminhada amazônica passou por milhares de passarelas, uma caminhada que ela recentemente ensinou a Jimmy Fallon na TV, e que tinha o efeito de fazer as outras modelos parecerem robôs. E parece uma descrição muito longe das imagens que aparecem em "Gisele Bündchen" (Taschen, US$ 69,99), um livro de 536 páginas que reúne fotos da modelo ao longo da carreira.   Nele, por exemplo, há fotos de Gisele bronzeada e sensual fotografada por Mert Alas e Marcus Piggot, com plataformas vertiginosas e um bustiê Versace enquanto desce em uma piscina vazia. Também aparece como uma (sensual) garota qualquer fotografada contra cortinas baratas de hotel por Terry Richardson, dando inocência à cena, embora esteja só de calcinha e sutiã.

E assim ela aparece, vezes e mais vezes, capturada pelas lentes de Helmut Newton, Juergen Teller, Peter Lindbergh, Bruce Weber, David LaChapelle, Inez van Lamsweerde e Vinoodh Matadin, Michel Comte, Mario Sorrenti, Nino Muñoz e David Sims. E o que chama a atenção sobre essas imagens criadas por um time de fotógrafos e artistas proeminentes é que o principal elemento das fotos não são as roupas ou ambiente, mas a vitalidade da própria Gisele.   "Gisele sempre me surpreendeu como uma superprofissional e uma pessoa agradável, mas com um entendimento de seu papel que vai além de simplesmente aparecer e fazer o trabalho", diz Joe McKenna, stylist por trás das campanhas mais influentes das décadas recentes. "Ela sempre entendeu que 'Gisele Bündchen' podia ser um negócio também. E, embora eu odeie a palavra branding, isso é exatamente o que ela soube fazer."   Quando a mulher Gisele Bündchen fala sobre a marca global Gisele Bündchen, ela tende a atribuir o sucesso a uma espécie de ética de Horatio Alger, escritor americano conhecido por suas histórias sobre garotos pobres e sua ascendência de ambientes humildes para a segurança e o conforto através do trabalho. "Sou de Câncer, estou sempre cuidando das outras pessoas", diz, oferecendo-se para pegar água, fazer chá ou qualquer outra coisa que um convidado possa querer. "Eu sempre fui uma trabalhadora, nunca me atrasei para um trabalho na vida. Sério, pergunte a qualquer um."

  Não deve surpreender descobrir que uma profissão descrita pelo escritor Michael Gross como "o negócio feio das mulheres bonitas" é frequentemente mais chata e tediosa do que glamourosa, que mesmo a vida das modelos mais famosas é frequentemente esgotante e solitária, e que entre os requisitos para o trabalho estão uma alta tolerância para abuso e uma habilidade de aguentar ser transportada pelo planeta como uma encomenda para lugares onde a passividade forçada é a norma.    "Uma oportunidade foi dada para mim quando saí de casa aos 14 anos e eu não iria voltar de mãos abanando", diz Gisele. "O que mais uma garota de 14 anos poderia fazer para ganhar dinheiro? Eu estava determinada a fazer dar certo."   Por isso, se ela estivesse fotografando roupas de inverno no Vale da Morte, região no Deserto de Mojave, na Califórnia, com um calor de 40ºC, ela permaneceria "totalmente, 100% comprometida", diz. E se os stylists a vestissem em roupas "impossíveis, coisas nas quais eu mal consigo respirar", ou os fotógrafos a transportassem para "ambientes extremos", ou se ela estivesse cercada por pessoas "dizendo as coisas mais terríveis ali, na sua cara", ela afirma que estava determinada a procurar "o que é positivo aqui, como transformar isso em algo bom."   Duas décadas atrás, quando Gisele mal tinha 16 anos e era relativamente desconhecida, ela foi escalada para um editorial da revista Harper's Bazaar que seria fotografado na ilha caribenha de St. Bart's. O fotógrafo era um homem famoso por ter clicado as maiores celebridades e rostos conhecidos - entre eles Madonna e a princesa Diana.   "Algumas pessoas que estavam lá diziam 'oh, ela não é muito bonita, ela tem um nariz grande'", o fotógrafo do editorial, Patrick Demarchelier, lembra. "Mas eu disse 'não, não, eu gosto dela'. Ela era esperta e despojada, sempre feliz, e claramente já sabia o que estava fazendo."   Ao longo da sessão de fotos, os críticos continuaram a reclamar da jovem brasileira. E aí os negativos chegaram. "Imediatamente,você podia ver que aquela menina era especial", lembra Demarchelier. "Ela emplacou 20 páginas logo de cara." E, desde então, segue fazendo de sua imagem uma empresa chama Gisele Bündchen.

Tradução de Marília Marasciulo

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