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Por que aprendi a procrastinar

Quando você procrastina, isto permite à sua mente divagar e lhe dá mais chances de dar de encontro com o inusitado e detectar exemplos inesperados

Por Adam Grant
Atualização:
Aproximadamente 30% dos adultos afirmam que já se tornou um mal crônico deixar as coisas para depois Foto: Pixabay

Normalmente eu teria concluído este artigo há algumas semanas. Mas decidi retardar o trabalho porque uma das minhas resoluções de ano-novo é procrastinar. Acho que devo uma explicação.

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Para nós a procrastinação é uma maldição. Mais de 80% dos alunos costumam deixar suas tarefas para depois, o que exigirá noites épicas para terminar trabalhos escritos e se preparar para exames. 

Aproximadamente 30% dos adultos afirmam que já se tornou um mal crônico deixar as coisas para depois. Imagine como seria maior esse número se mais pessoas respondessem à pesquisa.

Mas embora a procrastinação seja um mal no quesito produtividade, aprendi - contra minhas inclinações naturais - que é um bem no tocante à criatividade.

Durante anos acreditei que qualquer coisa que vale a pena ser feita deve ser realizada o mais cedo possível. Quando estava na faculdade apresentei minha tese com dois anos de antecipação. Quando fiz meu mestrado terminei minha tese antes da data prevista. Meus companheiros de quarto brincavam que eu tinha uma forma produtiva de transtorno bipolar. Os psicólogos cunharam o termo para minha doença: "precrastinação" (o oposto de procrastinação).

Precastrinação é a ânsia de começar uma tarefa imediatamente e terminá-la o mais rápido possível. Se você foi afetado por ela, o progresso é como oxigênio e adiamentos são uma agonia. 

Na faculdade a minha ideia de dia produtivo era começar a escrever às sete da manhã e só me levantar na hora do jantar. Eu me concentrava tão profundamente no trabalho a ponto de, certa vez, meus companheiros de quarto realizarem uma festa enquanto eu estava escrevendo e nem percebi.

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Há alguns anos, uma das minhas alunas mais criativas, Jihae Shin, questionou essa minha urgência. Disse que suas ideias mais originais surgiam depois de ela procrastinar. Desafiei-a a provar seu argumento. Ela entrou em contato com algumas empresas, fez uma pesquisa com pessoas sobre com que frequência deixavam o trabalho a fazer para depois e pediu aos supervisores para darem notas para a criatividade dos entrevistados. Aqueles que costumavam procrastinar receberam notas melhores no tocante à criatividade do que aqueles que "precastrinavam", como eu.

Não fiquei convencido. Então Jihae, hoje professora na Universidade de Wisconsin, elaborou alguns experimentos. Pediu para várias pessoas apresentarem novas ideias de negócios. Algumas deviam começar o trabalho de imediato. Outras tiveram antes alguns minutos para jogar Minesweeper ou Paciência. Todos apresentaram suas ideia e um grupo de especialistas independente avaliou até que ponto eram originais. As ideias dos procrastinadores eram 28% mais criativas. 

Quando as pessoas fizeram os jogos antes de a tarefa ser solicitada, não se observou nenhuma aumento de criatividade. Somente quando elas tomaram conhecimento da tarefa a realizar e deixaram o jogo de lado é que pensaram mais em novas ideias. O que significa que a procrastinação estimula o pensamento divergente.

Afinal, nossas primeiras ideias normalmente são as mais convencionais. Minha tese na faculdade na verdade era uma repetição de um punhado de ideias existentes e não apresentava nada novo. Quando você procrastina, isto permite à sua mente divagar e lhe dá mais chances de dar de encontro com o inusitado e detectar exemplos inesperados. Há quase um século a psicóloga Bluma Zeigarnik descobriu que as pessoas tem uma memória melhor para tarefas incompletas do que para as completas. Quando terminamos um projeto, o arquivamos. Mas no limbo ele continua ativo em nossa mente. 

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Tive de admitir que a procrastinação pode ser positiva para a criatividade. Mas no caso de realizações monumentais isto é diferente, correto? Errado. Steve Jobs procrastinava constantemente, vários colaboradores me disseram. Bill Clinton é descrito como um "procrastinador crônico", que espera até o último minuto para rever seus discursos. 

Assim, e se a criatividade aflora não apesar da procrastinação, mas por causa dela? Resolvi fazer um teste. Estabeleci como meta não correr demais na direção dos meus objetivos. Não me saí tão bem. Meu primeiro passo foi retardar as tarefas criativas, começando com este artigo. Resisti à tentação de sentar e começar a escrever, e me contive e esperei. Depois de terminar um rascunho, deixei-o de lado durante três semanas. Quando voltei a ler o artigo, acabei me perguntando: "que idiota escreveu essa bobagem?", e o reescrevi. 

O que descobri foi que em cada projeto criativo existem momentos que exigem o que em psicologia se chama pensamento lateral, e pensarmos mais lentamente. Minha necessidade de acabar rapidamente uma tarefa era uma maneira de evitar ideias complicadas que poderiam me levar a outras direções. Procurava evitar o sofrimento do pensamento divergente, mas também perdia o que havia de positivo a ganhar.

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Naturalmente a procrastinação pode ir longe demais, Jihae aleatoriamente pediu a um terceiro grupo para esperar até o último minuto para começar seu projeto. Os membros desse grupo também não foram criativos. Eles tiveram de correr para implementar uma ideia muito simples em vez de desenvolver algo novo. 

Tradução de Terezinha Martino

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