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O que os seus comentários online dizem sobre você

Leitores de temas online às vezes confiam bastante nos comentários por se considerarem "parecidos aos autores dos comentários"

Por Anna North
Atualização:

Ao comentar alguma notícia, as pessoas, em geral, pretendem ter alguma coisa dizer a respeito do assunto - mesmo (ou, quem sabe, principalmente) quando o autor errou. Mas o que é que os comentários que escrevemos dizem a nosso respeito - a respeito das nossas convicções, das nossas tendências, de que maneira nos comportamos quando as normas comuns não se aplicam? E até que ponto os nossos comentários afetam as convicções alheias? 

"As pessoas sentem-se mais livres para liberar sua bile mental quando não precisam fazê-lo pessoalmente", a pesquisadoraOlga Khazanse refere àcapacidade dos fóruns de favorecer a "desinibição" online Foto: Ed Yourdon/Creative Commons

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Alguns pesquisadores procuram abordar estas questões. Como Corinne A. Moss-Racusin, professora de psicologia no Skidmore College. Num estudo divulgado recentemente, ela e as outras autoras, Aneta K. Molenda e Charlotte R. Cramer, analisaram comentários de três fontes (The New York Times, o blog da revista de ciências Discover e um grupo de estudiosos da ciência do Facebook) sobre um estudo da própria pesquisadora, no qual ela constatara evidências de discriminação de gênero no ambiente científico. Elas encontraram sinais encorajadores em sua investigação. Os comentários positivos eram mais comuns do que os negativos. Entretanto, escreveram, foram frequentes os comentários segundo os quais a discriminação de gênero se justifica em razão das diferenças biológicas entre homens e mulheres - fato inquietante, argumentam, "porque as explicações biológicas das diferenças de gênero foram relacionadas a uma maior concordância com os estereótipos de gênero".

Elas também tentaram identificar os gêneros dos autores dos comentários, por meio de uma série de fatores, como nomes de usuários, imagens do perfil e declarações explícitas do gênero. Os comentadores que elas identificaram como pertencentes ao sexo masculino postaram em geral comentários negativos em relação aos que elas identificaram como de sexo feminino; e com bem menos comentários admitindo que a discriminação de gênero existe.

A doutora Moss-Racusin disse que sua equipe se surpreendeu com a divergência existente entre os comentadores: "De fato, o mesmo tipo de evidências objetivas afeta as pessoas de maneira muito diferente". Ela e sua equipe agora estudam as razões destas diferenças, ou seja, "quais são os fatores que podem levar determinadas pessoas, em determinadas circunstâncias, a serem mais influenciadas pelas evidências científicas, particularmente as evidências que apontam para algumas desigualdades entre diferentes grupos sociais".

Num artigo publicado pela revista Atlantic sobre a pesquisa, Olga Khazan destaca que "o que os comentadores afirmam online não é necessariamente o que eles afirmariam numa reunião no escritório, por exemplo". Ela se refere à muito discutida capacidade dos fóruns de favorecer a "desinibição" online: "As pessoas sentem-se mais livres para liberar sua bile mental quando não precisam fazê-lo pessoalmente". No entanto, ela escreve:

"Se a verdade está no vinho, talvez ela exista também nos comentários na internet. Talvez o comentador não se sinta à vontade para dizer a viva voz a uma mulher: 'Eu não confio em nada que sangra cinco dias e não morre'. Mas ele o pensa na realidade - e isto tem tudo a ver justamente com a discriminação oculta que as mulheres enfrentam".

 

Será que os comentários dizem alguma coisa sobre o verdadeiro caráter dos comentadores? Talvez não, diz Sara Kiesler, professora de ciência da computação e de interação entre homem e computador no Carnegie Mellon. "As pessoas mudam o seu comportamento conforme as situações", observa, "E portanto nós sempre podemos atribuir determinados aspectos à sua personalidade, a não ser que tenhamos a possibilidade de analisar o seu comportamento através do tempo e em diferentes situações". Ou seja, um comentador cruel talvez não seja uma pessoa cruel: "Alguém que teve dias ruins e desconta em outra pessoa, talvez seja um pai carinhoso, por exemplo".

E algo sobre o fato de ele fazer comentários pode dar uma ideia do seu comportamento, segundo Kiesler. "Talvez a situação seja tão convincente que você induz as pessoas presentes a se comportarem de determinada maneira".

Dominique Brossard, professor de comunicação das ciências dos seres vivos na Universidade de Wisconsin-Madison, que estudou os comentários, alertou para não se tirarem muitas conclusões a respeito de sexismo no estudo da doutora Moss-Racusin. Segundo ela afirmou, as autoras analisaram os comentários de três fontes apenas, e só conseguiram atribuir o gênero à metade das opiniões expressas.

Além disso, afirmou, é difícil enquadrar os comentários em categorias. Alguém que afirma que "os homens bem-sucedidos que eu preparo parecem mais ansiosos e mais dispostos a fazer os sacrifícios pessoais necessários para vencer a competição" (um dos comentários que a equipe da doutora Moss-Racusin cita como exemplo), talvez esteja justificando a discriminação contra as mulheres - ou talvez ele ou ela expressem o desejo de que as mulheres procurem se afirmar mais. Para solucionar problemas como este, disse Brossard, os pesquisadores podem analisar comentários usando um algoritmo, e não o seu próprio julgamento: Este algoritmo pode ser elaborado de maneira "a levar em consideração diferentes interpretações em potencial, e possivelmente acabe nos dando uma representação mais precisa do significado destes comentários".

As pesquisadorastentaram identificar os gêneros dos autores dos comentários, por meio de uma série de fatores, como nomes de usuários, imagens do perfil e declarações explícitas do gênero. Os comentadores que elas identificaram como pertencentes ao sexo masculino postaram em geral comentários negativos em relação aos que elas identificaram como de sexo feminino Foto: Morguefile

 

No entanto, ela disse, "dar uma olhada nos comentários pode ser muito esclarecedor". Num estudo de 2013, ela e a equipe constataram que comentários pouco polidos a respeito de um artigo sobre nanotecnologia poderiam fazer com que os leitores considerassem esta tecnologia mais arriscada do que imaginavam. "Comentários grosseiros tendem a polarizar os leitores", afirmou. E, "mesmo pessoas que não têm o hábito de ler comentários, poderão ficar influenciadas" - embora não prestemos muita atenção, sempre ocorrerá que peguemos uma palavra aqui outra lá, e "as usemos como filtros para entender a história".

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"Usamos atalhos mentais para entender questões complexas", explicou, "e, infelizmente, estes comentários podem nos fornecer os atalhos".

Num estudo mais recente, Ionnis Kareklas, Darrel D. Muehling, e TJ Weber, todos da Washington State University, constataram que os comentários a respeito de um anúncio de um hospital sobre vacinação afetou as atitudes dos leitores de maneira tão profunda quanto o próprio anúncio. Quando os comentadores eram identificados por seu grau de especialização em relação ao tema (por ex., como médicos), seus comentários influíam mais do que os anúncios.

Leitores de temas online às vezes confiam bastante nos comentários por se considerarem "parecidos aos autores dos comentários", disse Weber - eles "estão lendo a mesma coisa, comentando a mesma coisa". E, acrescentou, muitos leitores, principalmente os menos afeitos à internet, supõem que os autores dos comentários "sabem alguma coisa a respeito do assunto, do contrário, não fariam o comentário". Além disso, o simples fato de comentar pode conferir uma aura imerecida de credibilidade.

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Esta notícia pode incomodar particularmente os que já são céticos quanto à qualidade dos comentários em geral. O doutor Kareklas e sua equipe inspiraram-se na decisão da Popular Science de acabar com as seções de comentários em seu site; ouras publicações, como a Pacific Standard, fizeram o mesmo. E Tauriq Moosa escreveu no Guardian que a seção de comentários "fica ali como uma feia excrescência em baixo dos artigos, cheia de frases ferinas".

Mas outros consideram estas seções de um ponto de vista mais neutro. Brossard disse que, em muitas seções de comentários, "não foram estabelecidas regras sociais", e as pessoas se comportam de acordo com isto. "Será que isto desperta o que há de melhor em nós ou o que há de pior? Eu não acredito". Ao contrário, talvez desperte tudo o que as normas sociais costumam reprimir. Quem sabe isto não seja sempre ruim. "A dissensão pode acabar se expressando quando pode ser anônima e as pessoas não têm medo", disse a Kiesler - é possível que os autores anônimos dos comentários "sejam mais honestos" do que o que dizemos quando somos conhecidos. Como disse Moss-Racusin, "os comentários na internet podem constituir um espaço que ajuda as pessoas a se sentirem livres, para melhor ou para pior".

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Kareklas não considera sua pesquisa um motivo para eliminar os comentários. "Também acreditamos na liberdade de expressão", afirmou. "Não achamos que os comentários devam ser eliminados, mas que seu conteúdo deve ser administrado".

"O que a nossa pesquisa sugere é que deveríamos ter indicações da credibilidade de quem escreve comentários", disse Weber. Por exemplo, um comentário relacionado a um perfil do Facebook deveria incluir o título do autor, permitindo que os leitores julgassem sua capacidade. Os sites também poderiam convidar especialistas a participar dos comentários e a fornecer uma perspectiva mais informada, sugeriu Kareklas.

E à medida que os comentadores recebem mais atenção, alguns deles poderiam adquirir mais consciência de si mesmos. Quando os veículos de informação cobriram o estudo da doutora Brossard de 2013, ela deu uma olhada nos comentários. Um leitor escreveu: "Agora vou pensar duas vezes, porque me dou conta de que o que eu digo, a maneira como reajo, e minhas palavras podem afetar outras pessoas".

"Existem pesquisas que mostram que as pessoas subestimam quem irá analisar o que elas afirmam" nas seções de comentários, disse Kiesler. "Se não se queimaram no passado, não terão noção de que estão sendo observados".

Mas se as pesquisas sobre este tema prosseguirem, talvez a situação mude. Talvez os comentadores se tornem mais conscientes uns dos outros e mais vinculados por normas sociais - para melhor e, quem sabe, para pior.

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Tradução de Anna Capovilla

 

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