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O que Michelle Obama usou e por que foi importante

Ninguém entendeu o papel e o alcance da moda melhor do que a primeira-dama

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Por Redação
Atualização:
Barack Obama e Michelle Obama em recepção na Casa Branca em dezembro de 2016. Foto: REUTERS/Yuri Gripas

Começou, para sermos mais específicos, em outubro de 2008, quando Leno, o apresentador do programa 'The Tonight Show' na época, se virou para sua convidada, Michelle Obama, a esposa do candidato democrata à presidência, e disse alegre e esperançoso, porque acabara de revelar que o orçamento das roupas de campanha de Sarah Palin, a candidata republicana à vice-presidência, era de 150 mil dólares: “Gostaria de fazer uma pergunta sobre o seu guarda-roupa. Algo como 60 mil dólares? Sua roupa custou 60 ou 70 mil?”

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“J. Crew”, respondeu a sra. Obama, referindo-se ao preço de sua blusa de seda, saia dourada e casaquinho preso na cintura com um enorme broche de pedras falsas. “Minhas senhoras, todas nós conhecemos J. Crew. A gente pode comprar coisas boas online!” E foi assim que nasceu uma obsessão que durou oito anos. Sem falar em uma nova abordagem da história do vestuário e do poder.

Quando Michelle compreendeu o impacto de sua resposta naquela época - quando viu a reação do público ao seu traje (que havia sido escolhido especificamente em resposta à informação dada por Palin) - ela desencadeou uma revisão estratégica do uso de roupas que não só contribuiu para definir seu cargo de primeira-dama, como também deu início uma conversa que foi muito além da marca ou da roupa que ela usava, e que somente agora, talvez, esteja chegando ao fim.

Por cinco anos e meio existiu um blog que fazia sistematicamente a crônica das escolhas de Michelle para o seu guarda-roupa, o primeiro dedicado à maneira de vestir de uma personalidade política, e que, quando Obama se apresentou com um terno de verão de uma cor bem clara numa coletiva de imprensa, praticamente quebrou a Internet (o mesmo aconteceu quando ele deixou de usar gravata). Levando em conta ainda que o efeito provocado por Michelle sobre as marcas de roupa foi tema de um estudo de autoria de um professor da Universidade de Nova York na Harvard Business Review intitulado ‘Como a primeira-dama movimenta os mercados’. Considerando tudo isso, será impossível ignorar o fato de que, nestes dois mandatos, o traje exerceu um papel diferente de todos os já exercidos em um governo.

Uma lista nem um pouco definitiva de alguns dos estilistas cujas roupas foram usadas pela primeira-dama durante os dois mandatos do marido inclui Carolina Herrera, Narciso Rodriguez, Michael Kors, Maria Cornejo, Thom Browne, Isabel Toledo, Jason Wu, Prabal Gurung, Donna Karan, Marc Jacobs, Oscar de la Renta, Ralph Lauren, Marchesa, Tom Ford, Vera Wang, Tadashi Shoji, Cushnie et Ochs, Tory Burch, Naeem Khan, Brandon Maxwell, Rodarte, Bibba Mohapatra, Zac Posen, Barbara Tfank, Alexander Wang, Rag & Bone, Joseph Altuzarra, Tracy Reese, Monique Lhuillier, Thakoon, Christian Siriano, Calvin Klein, Sophie Theallet, Reed Krakoff, Diane von Furstenberg, Derek Lam, Proenza Schouler e Alice & Olivia. Além de Talbots. E Target. E Ann Taylor. Meu Deus! Além de, evidentemente, Gucci, Versace, Givenchy, Alaïa, Junya Watanabe, Christopher Kane, Roksanda, Moschino, Lanvin (aqueles tênis caríssimos e exóticos), Dries Van Noten, Alexander McQueen, Dum Olowu, Lanvin e Kenzo, para mencionar apenas alguns. É, de qualquer forma, uma lista sem precedentes. 

As condições da natureza histórica desta presidência e o fato de que ocorreu durante a ascensão da mídia social - o que transformou cada segundo em público num momento a ser compartilhado por todos, um momento digno de comentários - criou uma nova realidade em que cada aparição se destacava. Nem todos ouviram todos os discursos ou leram a análise ou consideraram o contexto. Mas cada um parou por um instante para avaliar o visual. E o casal que passou a vida inteira sendo examinado como pioneiro, compreendeu o que aquilo significava, e em vez de reprimi-lo, o incentivou. 

Se você sabe que todo mundo irá observar o que você veste e julgá-lo, o que você veste torna-se então carregado de significado. Certamente a importância de Michelle Obama como modelo contemporâneo de um papel público vai muito além de sua imagem, entretanto, ninguém entendeu o papel da moda, e o uso que se pode fazer dela, melhor do que a primeira-dama. “Ela se deu conta desde muito cedo de que tudo o que ela fazia tinha ramificações”, disse Thom Browne, que fez o casaco e o vestido que Michelle usou no desfile da posse de 2013, assim como o vestido que ela usou na Convenção Nacional Democrata em 2012, e também durante o debate final naquele ano. E prosseguiu: “Ela compreendeu que as pessoas não só queriam saber o que ela vestia, mas o que ela pretendia”, e ela inseria em suas roupas indicações subliminares.

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A mudança era a promessa, e a mudança era o look - muito mais do que o tamanho do braço à mostra, ou do tumulto entre cores e estampas. Ou os casaquinhos de malha. Sua verdadeira contribuição foi muito além disso, dando às mulheres a permissão para gostarem de roupas e de usá-las para celebrar sua própria força e feminilidade. Por isso, apesar da atenção dada ao estudo que avaliou quanto a primeira-dama valia para uma marca - “Publico livros há 25 anos”, disse David Yermack, autor do estudo e professor de finanças na Stern School of Business da NYU, “e nada se compara ao interesse que o tema despertou” - não tinha a ver com a geração da receita. Na realidade, apesar do patrocínio de Michelle, muitas marcas que ela usou lutavam financeiramente, inclusive J, Crew, Maria Pinto, que fechou, e Bibba Mohapatra, que pediu concordata na semana passada.

Ao contrário, como outras primeiras damas, de Jacqueline Kennedy a Nancy Reagan, Michelle Obama compreendeu que a moda é um meio que ajuda a criar a identidade de um governo. Mas ao contrário de todas as outras, em vez de vê-la como parte de um uniforme ao qual ela teria de se conformar, com as regras e restrições que isso implica, ela a considerou uma maneira de enquadrar sua própria independência e suas diferenças, aumentar sua agenda e amplificar a do marido.

“Nossa gloriosa diversidade - nossas diversidades de credos, cores e convicções - que não constitui uma ameaça àquilo que nós somos, nos torna o que somos”, afirmou em seu discurso final, e a prova disso estava, literalmente, sobre suas costas. Enquanto a maioria das primeiras damas recorreu a um número limitado de estilistas de confiança para ajudá-las a criar seu estilo (Oleg Cassini com Jacqueline; Adolfo e James Galanos com Nancy Reagan; Oscar de la Renta com Hillary Clinton e Laura Bush), Michelle trabalhou com todos eles. 

Mas acima de tudo, seu guarda-roupa foi representativo do país que seu marido liderou. Teve a ver com o caldeirão de culturas e o establishment; o 1% e o acessível. Em seu armário havia algo de cada um, entretanto ela não se ligou a nenhum estilista - mas se manteve livre de toda lealdade, associação ou marca específica. Ela se preocupou em empreender uma mudança, com sua assessora Meredith Koop. Nenhum dos estilistas contatados para esta matéria disse que sabia quando as roupas que ela comprava seriam usadas (quando eram de uso pessoal ela as comprava, frequentemente com um desconto; os trajes para cerimônias oficiais de Estado foram doados pelos estilistas e arquivadas no Arquivo Nacional ou em museu). Eles não eram avisados de antemão. Era uma relação comercial, e não pessoal.

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Isso continuará? Até certo ponto tanto Samantha Cameron, a esposa do ex-primeiro-ministro britânico David Cameron, quanto a duquesa de Cambridge copiaram uma página do livro do guarda-roupa de Michelle, trabalhando com uma variedade de estilistas da Semana da Moda de Londres, e Sophie Grégoire Trudeau fez o mesmo no Canadá. Mas segundo o professor Yermack, que pesquisou a resposta do mercado no caso da Duquesa de Cambridge e de Carla Bruni Sarkozy, quando foi primeira-dama da França, “elas não produziram nem de longe o mesmo efeito”.

Talvez seja porque o motivo pelo qual Michelle usava determinada roupa nunca foi simplesmente o fato de que era bom distribuir o próprio guarda-roupa entre um grupo de estilistas, mas que as roupas eram mais chamativas quando expressavam o compromisso com uma ideia, ou um ideal, porque isso repercutia. Por outro lado, realmente não importa se alguma outra pessoa em sua posição vai adotar o mesmo enfoque. Afinal, cada governo escreve a sua própria doutrina. Cabe a nós segui-la ou não. Tradução de Anna Capovilla