O processo de criação,  'o Mestre e Margarida' e o dia em que criei uma estampa

'É curioso ver como um trecho de uma história consegue se multiplicar em uma coleção inteira', conta Michelli Provensi

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Por Michelli Provensi
Atualização:
Michelli Provensi veste camiseta estampada por um desenho criado por ela mesma para a Storialab Foto: Divulgação

Ilusionismos a parte, a moda diverte e reflete as paranoias, viagens e anseios intelectuais, em um vendaval de ideias coletivas que flutuam por ai - e que um dia, por que não?, viram camisetas.

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As divagações de como os estilistas chegam às suas coleções e todos os frutos que pode gerar uma mera música tocando no fone de alguém sentado ao seu lado no ônibus, atestei neste meu primeiro desafio de estampar uma história.

A Storialab me convidou, juntamente com o amigo fotografo e artista Felipe Morozini, para participar do projeto Storytellers. A ideia era que cada participante dividisse um pensamento e contasse uma história, direcionando a criação de uma estampa. O mais difícil é escolher a história quando se tem mais coisa para contar do que duas manicures juntas.

Eu me remeti às aventuras do passado e lembrei do episódio em que encontrei um livro no banco do metrô, no último trem de uma noite londrina. Fiquei curiosa porque um gato preto estampava a capa - a madame aqui ama felinos. Levei então o livro para casa e, depois de ler umas cinco vezes ou mais, descobri que esse era o meu conjunto de folhas impressas favorito. O Mestre e Margarida é um romance escrito pelo soviético Mikhail Bulgakov. Suas tramas se desenvolvem durante uma visita do diabo a Moscou, no início dos anos 20.

No último desfile da Cavalera na SPFW, Alberto Hiar, diretor criativo da marca, me contou que sua coleção foi inspirada no conto João e Maria, dos irmãos Grimm. A história fala de dois irmãos que se perdem na floresta e são emboscados por uma bruxa, que os atrai com uma casinha feita de doces. Na licença poética da Cavalera, João era namorado de Maria e a bruxa má era amiga de Maria, querendo roubar o seu namorado João, coisa que acontece fora das fábulas todo dia.

É curioso ver como um trecho de uma história ou apenas um personagem conseguem se multiplicar em uma coleção inteira. No meu caso, era só uma camiseta. Mesmo assim, um universo enorme pode estar por trás de uma simples frase ou de algum desenho. Como a Cavalera fez com a narrativa dos irmãos Grimm, eu também dei uma mudada na minha história favorita: “Sou Michelli Provensi, Michi é o meu lado mais solto, apelido que veio do Sul, de casa. São Paulo é a minha casa.

Se eu fosse um livro seria uma narrativa realista fantástica. Gosto de imaginar que toda forma é especial e guarda seus segredos. São Paulo tem destas coisas, tem seus segredos.

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Ganhei uma camiseta e dentro dela tem uma história, uma viagem pessoal em que os personagens do meu livro favorito - O Mestre e Margarida - saltam de suas páginas para dar um rolê sincero pelas ruas e praças da minha SP.

 Da liberdade da escrita que trata o livro e força do amor em tempos adversos, a história se passa no início do regime soviético, a uma corrida à noite no minhocão, com um gato preto de proporções espantosas. De um passeio na nova ciclovia do centro, com uma feiticeira nua de olhos fosforescentes, passo para um carioca no café floresta com um homem de roupas apertadas e monóculo rachado.

Woland o Mestre e a Margarida se acotovelariam comigo no trem até Itaquera para ver Corinthians x Palmeiras. Depois desta visita, nada vai ser como antes. Me use, me lave, me conte uma história com moderação”.

Na última semana, o maquiador e cabelereiro Celso Kamura lançou uma linha de maquiagem fabricada no Japão. Kamura contou que foram os asiáticos que inventaram o BBcream, precursor do CCcream, e que já estariam desenvolvendo o DDcream.

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Minha parte favorita do livro de O Mestre e Margarida é quando Margarida Nikolaievna amante do Mestre, passa um creme que a transforma numa bruxa invisível, capaz de sair voando e aprontando por Moscou, em uma vassoura. Seria este o ZZcream do futuro?

Na época em que morava em repúblicas de modelos, habitando com algumas russas, descobri que era o livro favorito de muita gente por ai. Inclusive do Mick Jagger que se inspirou no romance para escrever a música Symphaty for the Devil.

Não criei um hino cantado por várias gerações, mas deixo aqui minha simples homenagem para alguém vestir. Gosto tanto deste livro, censurado durante anos pelos soviéticos, que na minha camiseta é claro que eu sou a Margarida. 

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