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O fim do America’s Next Top Model 

Após 22 temporadas e 12 anos no ar, reality show em que garotas competiam para se tornar supermodelos fez de Tyra Banks uma estrela e marcou um capítulo importante da história da moda

Por Vanessa Friedman
Atualização:

E então, chegou ao final. Depois de 289 episódios, 22 temporadas e 12 anos. Após ir ao ar no mundo inteiro e inspirar programas semelhantes em 20 países estrangeiros - do Brasil a Finlândia e Taiwan. Com7.903.827 curtidas em sua página no Facebook e 254 mil seguidores no Instagram. Após fornecer ao Urban Dictionary (um dicionário online de gírias e frases) uma série de novos verbos e adjetivos como “smize” (sorrir com os olhos) e “flawsome” (impressionante por causa das imperfeições). Depois de fazer história no mundo da moda, no último dia 4, o reality show norte-americano “America’s Next Top Model” acabou.

No dia 4, o maior reality show do mundo da moda, o “America's Next Top Model”, acabou. Na foto, apresentadora Tyra Banks. Foto: Patrick Wymore/The CW

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Por que você deveria se importar, a menos que faça parte do dedicado e agora abandonado grupo de fãs do programa? Não deveríamos todos celebrar o fim de um importante capítulo da era desumanizante dos reality shows televisivos, em vez de lamentar uma competição que mostrou as emoções mais rasas - ciúme, rivalidade e insegurança (além de, sejamos honestos, muitas roupas e maquiagens ruins)?

Embora essas sejam as características de todos os reality shows, os humores geralmente ficavam mais exacerbados no “ANTM”, porque as questões tratadas costumavam envolver complicados julgamentos a respeito de beleza física. E, de qualquer forma, a resposta é que não, nós não deveríamos estar celebrando. Deveríamos estar refletindo. 

Porque, goste ou não, “ANTM” esteve entre os programas sobre moda de maior sucesso já produzido, se não o de maior sucesso. Foi certamente o que ficou mais tempo no ar (em termos de comparação, “Project Runway”, outro reality show que estreou um ano depois, teve até agora 14 temporadas). Isso significa que, para uma geração de telespectadores, “ANTM” foi seu canal para o mundo da moda, o veículo que deu formato à sua percepção do setor. 

Você pode discutir o quanto quiser se esse formato foi, na verdade, uma versão distorcida da realidade do universo fashion. Ao longo dos anos, muita gente lembrou que o programa nunca produziu realmente nenhuma supermodelo (assim como “Project Runway” não produziu nenhum grande estilista) e fez críticas aos clichês propagados pea atração, como os apartamentos coletivos que as candidatas a modelo compartilham (que nunca são tão confortáveis como as casas do “ANTM”) e o “olhar com os lábios franzidos e sobrancelhas arregaladas” de Ben Stiler em “Zoolander”, que foi adotado por muitas das participantes do programa. 

Mas não se pode negar as influências ou as lições do reality. A começar pela ideia de que uma breve experiência no mundo das supermodelos pode resultar em uma carreira nova e potencialmente mais lucrativa como apresentadora de reality show (ou apresentadora de talk-show). Afinal de contas, a verdadeira ganhadora não foi a vencedora de cada temporada (a maioria das quais acabou, realmente, em lugar nenhum), mas a apresentadora Tyra Banks. Ela foi um sucesso não apenas ao transformar-se numa marca, mas também ao inventar uma série de termos novos graças ao uso constante em frases como “Tyra mail” (mensagem da Tyra) e “Ty tips” (dicas da Ty) e “Ty-over” (truques de maquiagem da apresentadora, muitas deles considerados exagerados). Sua atitude e habilidade em castigar e elogiar as participantes ao mesmo tempo deu a ela um alcance viral que vai muito além de sua história nas passarelas.

A apresentadora do America's Next Top Model, a modelo Tyra Banks, foi um sucesso ao transformar-se em uma marca Foto: AFP PHOTO/ FREDERIC J. BROWN

Tal capacidade impulsionou Tyra a uma experimentar uma carreira simultânea, embora breve, de cinco anos como apresentadora de um programa de entrevistas, o “The Tyra Banks Show”, além de um talk show que durou ainda menos tempo, chamado FABLife. O “ANTM” também abriu caminho para reality shows semelhantes apresentados por Heidi Klum e Padma Lakshmi e criou oportunidades para outras companheiras de desfiles, como Janice Dickinson, Twiggy e Paulina Porizkova, que passaram alguns ciclos como juradas.

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Tendo em vista que Tyra era tida como um exemplo, é provável que não seja uma coincidência que a maioria das alunas de sucesso - como Analeigh Tipton (que ficou em terceiro lugar durante o a temporada 11) e Yaya DaCosta da terceira temporada) - tenham feito seus nomes após o programa não como modelos, mas como atrizes. Fatima Siad, terceira colocada no décima temporada, foi uma das poucas a saltar para as passarelas ao desfilar para grifes como Dries Van Noten e Ralph Lauren. 

Embora isso seja geralmente citado como uma das falhas do programa, provou-se uma verdade do mundo fashion: existe uma lacuna entre modelos comerciais (que são atraentes para marcas como Old Navy, Target e Guess; para as quais desfilaram todas as alunas do “ANTM”) e as modelos de alta costura, que geralmente parecem estranhas na vida real. A ordem de hierarquia do estilo coloca um prêmio sobre o desconhecido, o não usual e o impopular. Durante 22 temporadas, o programa provou isso. 

Na verdade, por mais maluco que possa parecer, o programa provou, de muitas formas e de uma maneira estranha, ser um presságio a respeito das tendências do mundo da moda. O reality teve uma modelo transgênera, Isis King, antes de Andreja Pejic se tornar um fenômeno, e mostrou a diversidade antes de a questão se tornar parte da conversa no mundo fashion. Além disso, destacou Bianca Golden, conhecida pelos cabelos raspados, bem antes de Ruth Bell ficar famosa. 

E embora nas últimas temporadas - quando o julgamento foi aberto para votação pelo Facebook - o “ANTM” tenha sido acusado de sair dos trilhos, de muitas formas ele foi simplesmente o prenúncio do que aconteceria na moda. Afinal, cada vez mais as modelos acrescentam seus números nas redes sociais às suas medidas de corpo quando o assunto é concorrer a uma vaga em campanha ou desfile. 

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É possível que o único e mais potente legado do programa tenha a ver com o poder do mito da modelo: o sonho de uma garota de estar andando na rua, ou neste caso, entrando num cenário, ser descoberta e levada à fama. No fim da temporada 22, uma das finalistas, Mamé, disse “eu vinha sonhando com isso desde que tinha 6 anos”. Se a fala estava ou não no roteiro (teóricos da conspiração dizem que sim), não importa, porque surpreendeu. 

Seria possível pensar que a experiência de ser constantemente julgada por suas imperfeições físicas faria com que não apenas os telespectadores deixassem de ver o programa, como potenciais participantes desistissem da aventura. Mas por mais de uma década as críticas foram feitas e nós assistimos ao programa. O conto de fadas das modelos é duradouro.

E é por isso que, se eu fosse fazer uma aposta, diria que o programa, assim como “Friends” e “Modern Family”, terá uma longa vida após seu término, continuando a inspirar jogos nos quais o prêmio ou o castigo é a ingestão de bebidas alcoólicas e se tornando um artigo da cultura pop.

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Tradução de Priscila Arone

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