Modelos negras, plus size, transexuais: qual o objetivo de diversidade nas passarelas?

A pluralidade de mulheres nos desfiles reflete um desejo da indústria de agradar a clientes de perfis variados, mas não necessariamente é uma vitória

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Por Robin Givhan
Atualização:
Desfile da coleção de inverno 2017 da Balenciaga Foto: Olivier Claisse/MCV Photo for The Washington Post

As pessoas querem muito das modelos atualmente. Até demais. Durante os recentes desfiles de outono de 2016, os críticos desejavam que elas fossem plus size, velhas, transexuais, latinas, negras, asiáticas, com índice de massa corporal normal, belas, de aspecto excêntrico - e sorridentes. (Oh, por Deus, eles as querem especialmente sorrindo. Por que uma modelo que não está sorrindo é tida, via de regra, como brava ou concentrada demais? Como essas jovens mulheres ousam ter um pensamento sério enquanto vestem casacos de veludo e blazers de tamanho extra grande?).

O fato é que a moda deixou de ser um interesse de nicho e hoje é uma fascinação para uma grande camada da população. Moda é cultura popular e gera grandes negócios. A expansão do público de moda é algo bom para a indústria e também para as conversas em sociedade. As pessoas devem estar mais envolvidas na produção global de roupas femininas, o que tem impacto sobre todos nós. E as modelos são a face pública - ou o corpo - dessa indústria. Embora os estilistas estejam se tornando cada vez mais celebridades, algo merecido, são principalmente as modelos que respondem pela representação do ideal marca - sua noção de beleza e atrativo. São as modelos que devem se conectar com os consumidores e acolhê-los no mundo da moda.

No desfile da coleção de inverno 2017 da Undercover em Paris, o foco foi na diversidade de faixas etária Foto: onas Gustavsson/MCV Photo for The Washington Post

A diversidade deveria ser parte dessa equação. Mas o quanto? E como? Nos últimos anos, a discussão sobre diversidade se concentrou na questão racial. Figuras influentes da indústria, desde o ativista Bethann Hardison até as modelos Naomi Campbell e Iman, têm opinado sobre a importância da diversidade racial. E criticado duramente marcas que produzem desfiles sem incluir modelos negras. Esse questionamento público acordou muitos estilistas para seus próprios preconceitos inconscientes, e eles começaram a mudar de comportamento. De acordo com levantamento do site The Fashion Spot, quase 32% das modelos nos desfiles de outono 2015 em Nova York eram negras. Demorou para chegarmos a este ponto: em meados dos anos 90, a porcentagem era próxima de zero. Recentemente, a imprensa passou a calcular também o número de modelos plus size, transexuais e aquelas que são consideradas "mais velhas”. Que outras categorias devemos adicionar? Lésbicas, deficientes, indígenas americanas e assim por diante? Afinal, elas também fazem parte do total de consumidores.

Desfile da coleção de inverno 2017 da Celine Foto: Jonas Gustavsson/MCV Photo for The Washington Post

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A diversidade agora tem sido medida, definida e exigida de tantas maneiras que é quase impossível em um único desfile, um único estilista, atender a todas as exigências. É útil fazer uma contagem de quem se empenha nesse sentido nos desfiles de moda, de modo a avaliar nossos avanços em termos de inclusão, mas esta contabilidade supõe um objetivo final. Qual é a porcentagem mágica que sinalizará a vitória? É de 36%, percentual aproximado da população dos Estados Unidos que se identifica como afro-americana, hispânica não branca e asiática? É de 50%? Ou 100%? E essa porcentagem deveria ser a mesma, independentemente do local em que o estilista está baseado, do preço de venda do produto e de sua estética?

Um designer inspirado pelo street style tem obrigação maior de expressar a diversidade racial num desfile do que aquele dedicado a trajes de coquetel fantasia? O porte de uma marca é importante nesta conta? Alguns críticos afirmam que sim depois do desfile do estilista Demna Gvasalia para a Vetements e da bem recebida estreia dele na Balenciaga. Nas duas coleções, a estética tem origem no street style. O estilista, nascido na Geórgia e radicado em Paris, selecionou um grupo de modelos de aparência excêntrica - mas não se viu nenhuma diversidade racial óbvia. Isso imediatamente gerou protestos generalizados porque ambos os desfiles acenavam com tal possibilidade. Eles estavam no epicentro do cool. E participar deles significava mais do que apenas ser contratado com uma bela remuneração como modelo, e sim fazer parte de uma nova onda de grande influência.

Gvasalia adotou a diversidade, mas não a que seus críticos afirmam ser a mais importante. Em compensação, o estilista de Nova York Zac Posen apresentou um desfile dominado por modelos negras. Kanye West povoou sua produção no Madison Square Garden de homens e mulheres negros. Ambos marcaram um ponto, e bom para eles. Mas não é uma vitória, apenas parte dela. O sucesso seguramente virá quando essas modelos se tornarem figuras regulares nos desfiles da Prada, Céline, Saint Laurent e outros que têm uma enorme influência e podem ajudar uma modelo a conseguir um contrato de publicidade lucrativo. O ideal seria que a diversidade fizesse parte da narrativa e da criação de mitos, não uma equação matemática.

A cantora Lady Gaga desfilou para a grife Marc Jacobs na últimaSemana de Moda de Nova York Foto: REUTERS/Carlo Allegri

Toda a contagem é bem intencionada, mas qual é o objetivo? Se for no sentido de um desfile que reflita mais honestamente a base que consome uma marca de luxo, bem, então vamos abrir a passarela para homens nos seus 30 anos, de ascendência asiática e médio-oriental. Será representar de modo mais acurado o sexo feminino, pelo menos na sua versão americana? Então devem trazer modelos tamanho 48, medindo 1,62 m. Mas ninguém se refere ao número de modelos baixinhas na passarela (nesta temporada houve apenas Lady Gaga na passarela de Marc Jacobs). 

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Compreendemos que a moda tem de equilibrar fantasia com a realidade de fazer negócios em um mundo diversificado. Essas modelos contratadas para um desfile são selecionadas para expressar uma visão única: fazer os espectadores sonharem. Por definição, são figuras afortunadas e raras. São as escolhidas. Mas à medida que nos envolvemos mais com a moda, somos tentados a esperar que cada desfile seja a representação de cada consumidor possível de imaginar. Até certo ponto buscamos ver reflexos nos desfiles. Mas a moda tem a responsabilidade de refletir a cultura e não o indivíduo.

É ótimo dissecar a diversidade em todas as suas muitas interações. A pergunta é se todos esses componentes no final criarão uma indústria mais receptiva ou apenas uma lista cada vez maior de números. 

Tradução de Terezinha Martino

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