Moda Ostentação

Até quando o brasileiro irá se fantasiar de rico?

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Por Jorge Grimberg
Atualização:
MC Pocahontas no clipe "Mulher do Poder" Foto: Reprodução Youtube

Na teledramaturgia brasileira, nenhuma história é tão poderosa quanto a do pobre que faz de tudo para ficar rico. Da novela Vale Tudo, quando Maria de Fátima (Glória Pires) vendeu a casa da família, largou a mãe (Regina Duarte) no meio da rua e se mudou para o Hotel Copacabana Palace até a nossa saudosa Carminha (Adriana Esteves), que foi literalmente do lixo ao luxo, tornando-se a Sra.Tufão. O grande sonho do brasileiro é fazer a transição de classes e subir na vida. Ostentação e golpe são intrínsecos à nossa cultura. 

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Na moda, você não precisa realmente ser rico para parecer rico; isso é um trunfo na manga dos que almejam a escalada social. A moda ostentação é o estilo das pessoas que exibem peças-chave que têm um valor alto para pertencerem a uma camada especial da sociedade. Em pesquisa recente da USP com jovens da periferia, 97% dos entrevistados afirmou que se tivessem R$ 500,00 gastariam tudo com roupas de grifes. 

Uma bolsa Louis Vuitton ou um cinto da Hermès dão a falsa impressão a pessoas com poucos recursos de que elas são ricas. Muitas vezes essas pessoas vivem em condições precárias, não têm seguro de saúde ou acabamento nas paredes da sala, mas o símbolo de status traz um conforto social que acaba sendo mais importante que o conforto físico. É o ter versus o ser. No Brasil, o ter (infelizmente) ainda é mais importante. 

Nesse contexto, marcas de luxo continuam seus planos de expansão no Brasil. Veja só: já existe loja da Prada no Recife. Pois é, o mundo globalizado tem dessas coisas. Mas qual é o propósito de comprar uma bolsa da Prada no Recife ou uma bolsa da Louis Vuitton em Curitiba? 

A funkeira MC Pocahontas, autora do hit "Mulher no Poder", conta como já "torrou" mais de R$10.000,00 com vaidades na letra da sua música, incluindo bolsa da Louis Vuitton (sonho-de-cada-mulher). Convidada do programa Na Moral, de Pedro Bial, na Rede Globo, MC Pocahontas contou para o apresentador que havia recentemente comprado duas bolsas da grife francesa em Shopping de Curitiba. Acrescentou que foi esnobada pela vendedora e por isso decidiu pagar à vista. Ostentação com uma dose de esnobação.

Rewind para 1837. Um garoto de 16 anos chegou a Paris - a pé - e começou a desenvolver baús e caixas de viagem sob medida. Os produtos eram resistentes, pois naquela época se viajava de carruagem, barco ou trem. Com foco em qualidade de materiais e durabilidade, esse garoto criou o maior império de luxo do mundo. Ele se chamava Louis Vuitton. A Louis Vuitton não foi feita para ostentar e, sim, para atender demandas de um público consumidor que exigia e merecia qualidade. Os franceses são conhecidos pela sua elegância e tradição e a LV sempre entregou isso. 

Voltando para o Brasil, a moda ostentação é uma cópia atrasada do movimento Bling Bling, que iniciou há 12 anos nos Estados Unidos. Com a ascensão do Hip Hop, os então novos astros, que pela primeira vez começaram a lidar com muitas cifras, passaram a usar de diamante, ouro e logos como símbolos da nova ascensão social. Qualquer velho rico ou novo rico sabe que o dinheiro mudou de mãos. 

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Aqui no Brasil, o interessante é que na maioria das vezes não tem dinheiro de verdade. As pessoas querem mesmo é ostentar e parecer o que não são. Inclusive os ricos ostentam. Se você for ao bairro do Itaim Bibi, em São Paulo, e ver grupos de garotas de classe média alta, vai notar as bolsas Goyard e Louis Vuitton repetidamente em mesas, como se essas bolsas fossem um vale-aceitação para elas se sentirem adequadas nesses ambientes. Essas bolsas, pasmem, não têm nem zíperes ou fecho algum. E estamos falando de São Paulo, uma das cidades mais violentas do mundo. 

Nos EUA, os artistas de hip hop hoje são finos de verdade. Pense em Pharrell Williams ou Kanye West. Eles representam já o old money do hip hop e não precisam mais de logos e grifes para provarem algo. 

A moda está mudando. Mesmo a Louis Vuitton, Prada e Saint Laurent já desenvolvem coleções comerciais com roupas funcionais, atemporais e extremamente elegantes. Essas peças não se diferenciam muito do que podemos encontrar nas redes de fast fashion por fora, mas, por dentro, os acabamentos, materiais e estruturas têm infinitamente mais qualidade. O brasileiro deve começar a se dar conta de que vestir-se de rico não acontece de fora pra dentro e sim de dentro pra fora. 

 

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