Mike Domitrz desenvolveu "Can I Kiss You?" para promover encontros românticos saudáveis

Dois jovens soldados americanos foram a um bar. No fim da noitada, eles notaram um homem paquerando uma jovem embriagada. Quando ele se ofereceu para levá-la para casa, eles se adiantaram e disseram que iriam juntos para garantir que ela chegaria lá em segurança. Na casa da moça, os dois não quiseram deixar o outro homem entrar, o que provocou uma briga antes de ele ir embora emburrado. Os dois chamaram um táxi para ir embora. "Eles disseram que valeu a pena, porque o sujeito era um risco para a moça", diz Melody McDowall, uma assistente social e ex-coordenadora de resposta a agressões sexuais numa base militar em Kansas. Como parte de seu treinamento, os dois soldados tinham assistido à apresentação "Can I Kiss You" de Mike Domitrz, que oferece ferramentas para encontros românticos saudáveis e para evitar agressões sexuais. Quando eles falaram a McDowall que a palestra os havia inspirado a intervir para evitar um estupro em potencial, ela percebeu que sua abordagem "realmente funciona". "Historicamente, a educação sobre violência sexual era centrada no que as vítimas poderiam fazer para se manter a salvo", diz McDowall. Aí, cerca de seis anos atrás, ela descobriu Domitrz, que estava cruzando o país falando para estudantes universitários e grupos militares. Naquela época "não havia muita educação de espectadores" ou abordar pessoas "que podem ter cruzado a linha inadvertidamente", especialmente em situações envolvendo álcool, diz ela. Domitrz, com seu DATE SAFE Project Inc., com sede em Greenfield, Wisconsin, oferece uma mistura de humor, participação da audiência e aconselhamento prático para incentivar pessoas a pensarem num tema muitas vezes assustador - e depois ficarem prontos para agir. Sua palestra, e seu livro de 2003, May I Kiss You, desafia pessoas a sempre pedirem e receberem consentimento antes de se envolver num ato íntimo, até mesmo um beijo. Ele mostra como as pessoas podem intervir em situações problemáticas, como os dois soldados fizeram. E explica como cada um pode "abrir a porta" para pessoas de quem gostam confiarem nele se esses indivíduos forem sobreviventes de agressões sexuais. Domitrz desmonta todas as razões que as pessoas apresentam sobre a razão por que não perguntam primeiro quando buscam intimidade. Em seguida ele oferece dicas sobre como buscar o consentimento, até mesmo como responder elegantemente quando a resposta é não. As pessoas se sentem muito melhor sobre encontros e relacionamentos quando as linhas de comunicação são claras, diz Domitrz, em vez de ser embaraçadas por tentativas de ler linguagem corporal ou fazer uma investida na esperança de que a outra pessoa não se importe. "A maioria das palestras sobre violência em encontros tratam do que não fazer", diz ele. "Eu uso humor sobre os pressupostos ridículos que nos ensinaram... (e quero que as pessoas) sintam que têm um novo conjunto de habilidades e uma razão para usá-lo." Domitrz era um estudante universitário de 19 anos em 1989 quando recebeu uma mensagem em seu dormitório para ligar imediatamente para sua mãe. Ela perguntou se ele estava sentado, e aí lhe contou que sua irmã Cheri, que é quatro anos mais velha, havia sido violentada. Lutando contra choque e raiva, ele se transferiu para uma faculdade perto de sua casa em Wisconsin para apoiá-la durante o julgamento do estuprador. Quando começou a pesquisar as leis sobre molestamento sexual, ele se deparou com a expressão "sem consentimento". "Eu me perguntei... ´Será que eu peço para beijar alguém?`" E perguntou a seus pares, que disseram que não perguntavam tampouco. Ele percebeu então que as normas culturais incentivam os homens a fazer uma investida e as mulheres a tentar pará-la se ficarem desconfortáveis. Depois que sua equipe de natação foi convocada a ouvir uma palestra sobre agressão sexual, Domitrz percebeu que como irmão de uma sobrevivente de ataque sexual ele tinha alguma coisa a oferecer, Ele prosseguiu suas pesquisas e começou a falar publicamente - primeiro em seu antigo colégio e depois em outros colégios e universidades. "Ele  recebia perguntas realmente difíceis (de nossos alunos) e sempre deu respostas construtivas, positivas", diz Debbie Bartholomay, uma professora de arte da linguagem na Alternative High School em Elkhorn, Wisconsin, que recebeu várias apresentações de Domitrz desde a sua concepção. "Um grande número de nossos alunos havia tido experiências sexuais muito negativas", diz Bartholomay. Depois de cada palestra, muitos alunos revelam situações a Domitrz e ele tem conseguido enviá-los para obter ajuda. A apresentação "Can I Kiss You" "é uma coisa que eu desejo que cada estudante experimente ao menos uma vez, porque eles realmente não a esquecem. Tivemos alunos cujas vidas mudaram", diz Bartholomay. Em 2003, Domitrz e sua mulher tinham vendido sua empresa de DJ móvel para ele poder se dedicar em tempo integral às palestras públicas, tanto nos Estados Unidos como em bases militares americanas mundo afora. Agora ele faz cerca de 200 apresentações para estudantes universitários e militares por ano. Quando primeiranista e consultor residencial na Universidade Princeton em New Jersey, Kevin Zhang assistiu a uma apresentação de Domitrz no último outono. "Sou muito cético sobre esse tipo de coisa, mas fiquei realmente empolgado com esta", diz ele. A palestra levou Zhang a trocar ideias com seus colegas da equipe de polo aquático e colegas homens, e recentemente ele escreveu um artigo para o jornal do câmpus sobre por que os homens precisam falar mais sobre assédio sexual. Uma das coisas principais que Zhang diz que aprendeu: se alguém dividir com você que foi molestado, não responda com "Lamento". A piedade obriga a pessoa que está compartilhando a dar uma resposta como "Tudo bem, A culpa não é tua", ensina Domitrz. Ele antes encoraja a pessoa a dizer algo como "Obrigado por compartilhar. Se houver alguma coisa que eu possa fazer, estou aqui para apoiá-lo(a)." Quanto a mudar a cultura dos encontros, Zhang se diz otimista com a disseminação da mensagem de Domitrz sobre consentimento. Domitrz ajuda as pessoas a vislumbrarem essa mudança trazendo alunos para o palco para breves e divertidas encenações de papel em que um participante pede um beijo a outro. Ele lhes oferece cenários para mostrar que quer seja a resposta sim ou não, a situação não é mais desajeitada do que os esforços típicos que uma pessoa faz para ler a mente da outra. "Tivemos pessoas que discutiram e no fim disseram, ´Sabe de uma coisa, agora eu vou perguntar`", diz Domitrz. "Você vê pessoas fazendo compromissos positivos com uma mudança de comportamento em meros 45 minutos." Uma maneira que Domitrz usa para aferir o efeito que causou são as mensagens no Facebook nas quais pessoas compartilham como usaram seus ensinamentos. Ele também pede mensagens de texto breves de participantes sobre quais ações eles pretendem fazer. Alguns textos são profundos: "Ela realmente me ajudou a compreender que se eu não estou nessa não preciso continuar nela só porque está ocorrendo"; "aprendi que deixar que um cara tire vantagem de outra pessoa nos torna igualmente responsáveis"; "Vou contar a meus pais sobre meu estupro". "Nossa cultura ainda tem um longo caminho a percorrer para lidar com este tópico", diz Domitrz. Vinte anos atrás, as pessoas achavam que era certo alguém fazer sexo com uma pessoa embriagada que diz sim, diz Domitrz. Agora, a maioria das pessoas compreende que uma pessoa não pode realmente dar seu consentimento quando está embriagada. Mas "será que nós fazemos alguma coisa para impedi-lo?" pergunta Domitrz. "A maioria diz, ´Bem, o problema não é meu`." Para diminuir as agressões sexuais nos câmpus universitários e nos meios militares, alunos do ensino médio já precisam começar a aprender como falar sobre e respeitar limites sexuais, diz Domitrz, que é pai de dois adolescentes. Cerca de 50 pessoas receberam treinamento intensivo no ano passado do DATE SAFE Project para que elas também possam levar suas mensagens a escolas.

PUBLICIDADE

Por Stacy Teicher Khadaroo
Atualização:

Tradução de Celso Paciornik

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.