Liberação masculina

A velha economia e o velho modelo de masculinidade são obsoletos. As mulheres aprenderam a se comportar mais como um homem. Os homens precisam aprender a se comportar mais como uma mulher

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Por Richard V. Reeves e Isabel B. Sawhill
Atualização:
O papel do homemcomo cuidador potencial dos filhos normalmente é ignorado ou estigmatizado Foto: Doris61/ Pixabay

Até agora a revolução de gênero tem sido uma batalha unilateral. As mulheres já ingressaram em espaços vida política e econômica dominado pelos homens e na maior parte tiveram sucesso. Eles dirigem companhias, caças de combate, e até mesmo disputam uma candidatura à presidência.

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Mas ao longo do caminho algo crucial foi esquecido. Não nos esforçamos o bastante para colocar os homens em funções tradicionalmente femininas - que deveria ser a nossa prioridade hoje. Não se trata apenas de igualdade de gênero. O que está em jogo é ainda mais importante. As tarefas que muitos homens costumavam fazer desapareceram ou estão desaparecendo rapidamente e as famílias precisam de dois pais engajados para compartilhar a tarefa de criar os filhos.

Por mais difícil que possa ser, os homens têm de se adaptar ao que a economia moderna e a vida familiar demandam. Houve avanços nos últimos anos, mas não o equivalente à profundidade e à urgência das transformações que estamos vivendo. A velha economia e o velho modelo de masculinidade são obsoletos. As mulheres aprenderam a se comportar mais como um homem. Os homens precisam aprender a se comportar mais como uma mulher.

Esta transformação será boa para os homens? A longo prazo achamos que sim. Mas de qualquer maneira eles não têm escolha. As mudanças recentes da situação feminina e também da economia não se reverterão. Os homens terão de se adaptar ou então ficarão para trás.

Muitos homens sofreram um golpe severo, duplamente: a perda do status econômico uma vez que empregos em setores tradicionalmente masculinos desapareceram e a perda do status social à medida que as mulheres avançaram. Os salários dos homens estão estagnados e entre aqueles com menos formação, chegaram mesmo a cair: a renda média dos homens com diploma apenas da escola secundária caíram 28% em termos reais desde 1980.

Essas tendências inquietantes levaram muitos observadores a exortar os garotos e homens a reconquistar suas vantagens competitivas em relação às mulheres, de maneira possam novamente se tornar líderes e sustento de família. Mas esta mensagem é errada. Em vez de tentar recriar um passado patriarcal, os homens devem aceitar um futuro mais feminino.

Ao contrário, alguns homens, especialmente aqueles com perspectivas econômicas mais sombrias, vêm se retraindo e adotando o que alguns estudiosos rotularam como "hiper masculinidade". Levado ao extremo, isto conduz à violência e à misoginia e se tornar um meio de compensar o status inferior ou a perda de respeito.

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Mas diante das nossas próprias perspectivas limitadas, esses homens são exatamente aqueles que mais necessitam de uma parceira feminina, juntamente com o salário dela, para sobreviver na economia atual.  O mal-estar masculino começa na sala de aula. As meninas superam os meninos em todos os estágios da educação, com notas mais altas desde os primeiros anos até a escola secundária e a faculdade. Homens hoje são minoria nos espaços universitários, representando 42% dos formandos.

Este maior sucesso desfrutado pelas jovens é resultado não de um intelecto superior, mas de hábitos de estudo melhores. As mulheres geralmente têm mais foco, se esforçam mais e têm mais autodisciplina. Meninos e jovens adultos tendem a se distrair mais com videogames ou mesmo se saem mal por causa de bebida ou drogas.

Com uma melhor formação educacional e mais competências as mulheres também avançaram firmemente no mercado de trabalho e isto deve continuar. Não quer dizer que a desigualdade de gênero acabou. As diretorias e legislativos dos Estados Unidos ainda são dominados por homens. As mulheres ainda respondem em média por oito dólares para cada dez dólares que seu companheiro traz para casa. Mas a diferença de salários está encolhendo rapidamente entre os trabalhadores mais jovens. 

O mercado de trabalho se tornando vigorosamente mais amistoso com as mulheres. Empregos são criados à medida que a economia se recupera do golpe recebido durante a Grande Recessão. O problema é que são amplamente "trabalhos femininos" que os homens não estão ocupando. As mulheres entraram em espaços antigamente dominado pelos homens, como Direito e Negócios, mas os homens não seguiram o caminho inverso, entrando no campo da saúde e do ensino.

Os homens constituem apenas 20% do total de professores nas escolas elementares e de ensino médio Foto: Khanes Athiratanakran/ Creative Commons

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Ultimamente tem se verificado um impulso louvável para contratar jovens e mulheres para funções que exigem habilidades científicas (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). Mas é igualmente importante formar e encorajar os homens a assumirem tarefas que exigem habilidades na área da saúde, educação, administração e alfabetização).

No momento tais empregos são dominados pelas mulheres. Os homens constituem apenas 20% do total de professores nas escolas elementares e de ensino médio, 9% do total de enfermeiras, 16% dos cuidadores de saúde e 6% dos assistentes pessoais.

Enquanto eles não aproveitarem as oportunidades nesses setores chamados de "colarinho rosa", eles continuarão longe desta área dinâmica do mercado de trabalho. Atualmente as mulheres dominam setores que, segundo expectativas, produzirão o maior número de vagas de trabalho. A menos que acabe esse desequilíbrio de gênero nas 30 ocupações que crescem mais rápido, as mulheres ocuparão um milhão de empregos que, do contrário, seriam destinados a homens. Não existem obstáculos legais para homens se tornarem professores ou enfermeiros, de modo que esta é uma questão de atitude e cultura. Precisamos harmonizar as campanhas para ajudar garotas e mulheres a encararem empregos tradicionalmente masculinos como funções apropriadas para elas com um esforço igualmente eficaz na outra direção.

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Pequenas mensagens podem ser poderosas, neste caso. Sabemos que as jovens são menos propensas ao estudo de ciências se virem cartazes orientados para os meninos mostrando "Star Trek" ou Harry Potter. Os meninos quase certamente reagirão da mesma maneira a imagens e ambientes com uma percepção feminina.

As "aeromoças" se tornaram comissárias de bordo. Bom. Então por que não chamar as enfermeiras de "comissárias de saúde" , "técnico de saúde" (se com mais formação). Mais homens na área do ensino ofereceria duas vantagens: ampliação das perspectivas de trabalho masculino, fornecendo modelos ou exemplos a seguir mais diversos para os meninos na sala de aula. 

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Os homens têm de se adaptar na frente doméstica também. Hoje as mulheres são as principais fontes de sustento em 40% dos lares com filhos menores de 18 anos, de acordo com o Pew Research Center. Muitas dessas mulheres são mães solteiras.

Mas a proporção de mulheres casadas que ganham mais do que o marido também aumentou, de 4% em 1960 para 17% em 2015. Em metade das famílias onde o casal trabalha em tempo integral, a mãe ganha tanto ou mais do que o pai.

Os homens andam cuidando mais dos filhos: 7,3 horas por semana em 2011, comparado com as 2,6 horas em 1985, mas não houve nenhum aumento, na verdade ocorreu um declínio, na sua contribuição para o trabalho doméstico. Nesse caso é preciso um avanço muito mais rápido no sentido de uma divisão igual do trabalho em casa.

Políticas de licença do emprego podem ser projetadas para ajudar, embora a frequência com que eles são rotuladas como "licença maternidade" mostra até que ponto estamos atrasados. Hoje os Estados Unidos são o único país avançado sem uma política nacional de licença paga. 

Há alguns sinais de esperança. Hillary Clinton está propondo um decreto nacional exigindo que os empregadores ofereçam a todos os novos pais três meses de licença paga. O senador Marco Rubio sugere um incentivo fiscal de 25% para empresas que ofereçam pelo menos quatro semanas de licença paga para os empregados. 

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Deveríamos avançar ainda mais e instituir direitos de licença específica e unicamente para os pais. As políticas geralmente são baseadas na suposição de que se existe um pai ele deve ou estar ganhando ou pagando os cuidados com o filho: seu papel como cuidador potencial normalmente é ignorado ou estigmatizado.

Tradução de Terezinha Martino

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