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Gucci, o hip hop, a apropriação cultural - e o que Emicida acha disso

Na coleção Cruise 2018, Alessandro Michele copia o estilista do Harlem, que copiava a Gucci nos anos 1980 para vestir os rappers locais, e homenageia o movimento negro com uma ode à moda de rua

Por Maria Rita Alonso
Atualização:
Gucci Cruise 2018. Foto: Getty Images para Gucci

Muito inspirador falar com o Emicida sobre o desfile da Gucci, que aconteceu no Palacio Pitti em Florença, na segunda, 29. A coleção Cruise 2018 foi apresentada entre obras-primas do Renascimento, em uma passarela que se estendeu por sete salas repletas de quadros clássicos. As inspirações vieram da Vênus de Botticelli, da estética barroca com guirlandas de pérolas e dos vestidos e túnicas da Antiguidade grega. Mas no meio de tudo isso, causou frisson a vibe hip hop da coleção, com jeans, agasalhos esportivos e bonés.

A referência máxima à moda de rua veio com uma jaqueta bufante de couro monogramado feita em homenagem a Dapper Dan, um estilista do Harlem que ficou famoso nos anos 1980 pirateando roupas de marca para os rappers locais. Na era do ‘copy’ e ‘past’, Michele copiou o estilista que copiava a Gucci e outras grifes e botou lenha na fogueira que debate a apropriação cultural na internet.

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Cheguei de viagem na quarta-feira, 31, ainda impactada pela apresentação, e fui entrevistar os artistas Emicida e o Fióti, donos da marca de moda Lab, no showroom deles em Santana, para as filmagens de uma série de mini-documentários. O assunto era a Lab, a São Paulo Fashion Week, a última coleção deles sobre o samba, enfim, uma coisa não tinha nada a ver com a outra. Mas no fundo, está tudo conectado.

Gucci Cruise 2018. Foto: Getty Images para Gucci

O que pensa Emicida sobre esse tipo de ação da Gucci? “O hip hop tem influenciado o jovem de uma maneira profunda há 40 anos, desde o início da sua existência. Sempre foi um discurso muito verdadeiro, com autencidade o bastante para impressionar as pessoas que buscam um conceito bacana para as passarelas. A moda sempre está em busca de algo que seja bonito e bacana, precisa expressar um estilo de vida, e o hip hop é mestre nisso. Então nesse ponto, eu aplaudo e fico feliz com o reconhecimento dessa beleza e dessa verdade”, avaliou ele.

Alessandro Michele, diretor criativo da Gucci. Foto: Getty Images para Gucci

“Mas também tenho meu pé atrás com essa questão, pelo fato de que as pessoas, muitas vezes, se apropriam de determinado signo, mas excluem um determinado grupo. O hip hop não é uma cultura de exclusão, é uma cultura de inclusão. Ao mesmo tempo em que é louvável que o mercado reconheça esses valores estéticos e traga para dentro dele, existe um grupo de valores humanos que o hip hop carrega e que também precisa ser levado para todos esses ambientes.”

O romano Michele já havia pegado emprestada a cena do hip-hop de Nova York no desfile de pre-fall da Gucci, e agora novamente recorreu à fonte para celebrar a cultura negra.

Emicida é ponderado, gosta de pensar sobre os vários lados da questão – qualidade que admiro muito! “Quando você se apropria de uma cultura e a respeita, tem um trabalho complexo para expor a criação mostrando não só a beleza, mas o respeito que você teve por aquilo.”

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Não existe verdade absoluta nem na moda nem em nada. Na era das redes sociais, onde opiniões radicais de gente mal informada prosperam, é um alívio ver alguém sensato olhando em perspectiva e considerando os vários lados da questão.

Acabei de ler o artigo de Osman Ahmed, no site Business of Fashion, que me encheu de esperança. Ele escreveu: “A apropriação bem intencionada pode ser uma força para o bem, criando um intercâmbio cultural e enriquecendo o vocabulário disponível para designers, artistas e criadores de imagens - mesmo para chefs, cineastas e arquitetos. Pode ser um motor que impulsiona a cultura para a frente e quebra fronteiras e divisões, em vez de dividi-las.” Concordo plenamente! Viva a união e a complexidade de relações na moda – e na vida!

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