Grifes tornam-se sustentáveis. Mas por que mantêm isso em segredo?

Para especialistas, se marcas comunicassem como têm manufaturado seus produtos de forma responsável, poderiam fazer de peças eco-friendly algo desejável - e transformar a visão do mercado

PUBLICIDADE

Por Robin Givhan
Atualização:
A Gucci é uma das marcas que vêm desenvolvendo iniciativas com métodos de produção ecologicamente correto Foto: REUTERS/Alessandro Garofalo

A Gucci está renascendo. Após anos de estagnação, a marca de 94 anos é novamente a estrela das capas de revista de moda: suas coleções são cobiçadas por aficionados em alta costura e celebridades, graças à maestria eclética mostrada nas passarelas pelo diretor criativo Alessandro Michele. Porém, há um problema. Não para a o balanço da empresa, mas para o meio ambiente.

PUBLICIDADE

Sapatos e bolsas precisam principalmente de couro para serem confeccionados. E a pecuária consome enormes quantidades de recursos naturais, como terra e água. O método tradicional de curtimento usa metais pesados, principalmente cromo, e o resíduo é um perigo à saúde. Além disso, o PVC, outro componente bastante utilizado na fabricação de bolsas, é um contaminante ambiental.

Com pouco alarde, a empresa de quase US$ 4 bilhões tem feito mudanças. As bolsas - especificamente a Dionysus de US$ 2.400, adornada com flores - agora são fabricadas em poliuretano em vez de PVC. Mas o departamento de marketing da marca não destaca a mudança - há apenas uma referência vaga no site da Gucci falando que o artigo é produzido por meio de um “processo consciente”.

A nova sensibilidade verde da Gucci representa a mudança na filosofia de sua controladora, a Kering, um dos maiores conglomerados de luxo do mundo, e da indústria do luxo em geral, que inclui a maior gigante de todos eles, o LVMH (Moet Hennessy Louis Vuitton). No entanto, a relutância da Gucci em divulgar a mudança - algo nada emocionante ou sexy para seus consumidores - destaca a instável relação entre o negócio do luxo e a moda ecológica.

As silenciosas mudanças na Kering e na LVMH são louváveis, dizem especialistas. Porém, com seu público ávido por inovação e sua capacidade única de criar mercados onde nada existia, setor de luxo poderia fazer muito mais.Se marcas de primeira linha destacassem, comentassem e compartilhassem como têm manufaturado seus produtos de forma responsável, poderiam até mesmo transformar peças com um logo “eco-friendly” em algo desejável - e transformar toda a visão de cultura da manufatura.

Paris - marco zero para a moda de luxo - recebeu entre os dias 30 de novembro e 11 de dezembro a Conferência sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas. Enquanto executivos da Kering participaram de vários painéis, a LVMH, patrocinadora corporativa do evento, enviou e-mails para seus funcionários sobre lições “verdes” aprendidas durante a conferência.

Sustentabilidade é um assunto importante no mundo da moda, mas apresenta problemas difíceis de resolver. É melhor para uma empresa de moda sediada em Paris usar papel novo produzido na França para o convite de seus desfiles? Ou papel reciclado da China? Pode deixar de lado os lindos convites impressos em papel caro e enviar apenas as informações por e-mail? Escolas de moda trabalham, de forma mais intensiva, a compensação da pegada de carbono em seus currículos. Há concursos que desafiam estilistas a fazer roupas que sejam certeiras tanto para o tapete vermelho quanto para o planeta.

Publicidade

Várias marcas declaram-se agora eco-friendly, o que pode significar qualquer coisa, de usar algodão orgânico em camisetas até a utilização de energia solar para aquecer suas sedes. A maioria são marcas de moda, cuja liderança se deve mais a suas autodeclaradas credenciais “verdes” do que estéticas, ou empresas que fabricam roupas para esportes radicais como a Patagonia, que oferece manuais para o conserto - em vez da substituição - de roupas danificadas.

Mas, no geral, moda verde é normalmente vista como "outra" coisa. No topo da pirâmide fashion estão as marcas de luxo. Essas empresas têm vantagens ecológicas em relação a seus rivais do mercado de massa. Elas controlam melhor sua cadeia de fornecedores, como os curtumes, e têm recursos para desenvolver novas técnicas de produção e anunciam o caráter de hereditariedade de seus produtos, não sua disponibilidade. E seus clientes são menos sensíveis às variações de preço: quem conta centavos quando gasta milhares de dólares numa bolsa?

“Honestamente, eu acho que as marcas estão se tornando sustentáveis porque acreditam que é bom para os negócios, uma forma de preservar a qualidade dos recursos naturais nos quais confiam e dos quais dependem”, disse Gemma Cranston, do Cambridge Institute for Sustainability Leadership (Instituto Cambridge para Liderança em Sustentabilidade), que trabalha com a Kering e a Hugo Boss. “Elas veem isso apenas como um passo que precisam dar para continuar a produzir produtos de alta qualidade.”

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Em junho deste ano, a Kering divulgou seu primeiro Relatório de Lucros e Perdas Ambientais, que examina onde em sua cadeia de mais de 1.000 fornecedores em 126 países escondem-se os maiores e mais graves impactos ao meio ambiente. Olhando para peças de suas marcas - de camisetas de seda e jaquetas de motoqueiro da Saint Laurent a equipamentos esportivos da Puma - a empresa mediu o consumo de água, a poluição do ar, as emissões de gases de efeito estufa e o uso da terra. Então, calculou essas descobertas em euros para estimar o quanto a produção de uma única bolsa de couro custa ao meio ambiente: 11,85 euros no ano passado, ou cerca de US$ 12,53.

Em 2013, as marcas de luxo da Kering custaram ao meio ambiente cerca de US$ 817 milhões (um conglomerado semelhante, operando sem limitação ambiental, teria colocado uma pressão de US$ 1,2 bilhões sobre o planeta, segundo a PricewaterhouseCoopers). Em 2014, este custo ambiental subiu 2,2% para US$ 838 milhões – enquanto as receitas tiveram elevação de 4,5%. O grupo postou esses dados na internet para que outras empresas pudessem tirar proveito deles. “Quando fala-se sobre sustentabilidade, se você mantiver todas as informações para si, não mudará o paradigma”, disse Marie-Claire Daveu, diretora de sustentabilidade do conglomerado.  O relatório da Kering também relevou que apenas 7% do impacto ambiental da empresa foi registrado em suas boutiques, sedes e armazéns. Metade veio da produção de matérias-primas e outros 25% do processamento desses materiais. O impacto mais significativo incluiu os gases de efeito estufa da pecuária e a terra e a água usadas na criação tradicional de ovinos. 

A bolsa Dionysus, da Gucci, é sustentável Foto: Divulgação

O objetivo não é abolir o uso de lã e de couro, mas encontrar formas mais ambientalmente corretas de produzir esses materiais. Kering e LVMH, por exemplo, estão deixando métodos tradicionais de curtimento de peles que usam cromo. "Mas cores brilhantes geralmente não podem ser alcançadas sem o uso de metais pesados", diz Sylvie Bénard, diretora corporativa de meio ambiente da LVMH. Há preocupações também com a estabilidade da coloração. Uma cliente não pode ser pega no meio de uma tempestade e descobrir que a bolsa está pingando tinta em suas calças de cashmere. 

A Gucci desenvolveu uma técnica de curtimento orgânica e, em 2013, começou a utilizá-la em produtos especiais sob encomenda e em bolsas com alças de bambu. As bolsas Gaia Monogram da Louis Vuitton, na cor cereja, agora usam couro curtido com produtos vegetais. Mas, apesar de toda a abertura em nível corporativo – a Kering vincula os bônus de seus executivos ao cumprimento de objetivos de sustentabilidade – moda ainda é moda e é conduzida pelo desejo, não pela consciência ambiental, muito menos pela lógica. 

Publicidade

Quase nenhuma dessas grifes liga a sustentabilidade à misteriosa magia da moda de alto luxo. Stella McCartney, conhecida por sua postura contrária ao uso de matéria-prima de origem animal, é uma rara exceção. A marca que leva seu nome, em parceria com a Kering, vende moda envolta em sensibilidade ambiental, detalhada no marketing da empresa. 

As bolsas Gaia Monogram da Louis Vuitton, na cor cereja, agora usam couro curtido com produtos vegetais Foto: Divulgação

A situação da Saint Laurent é mais comum. Executivos corporativos alardeiam o uso de lâmpadas de LED em suas boutiques. Ainda assim, quando o designer Hedi Slimane apresentou sua coleção da Saint Laurent em Paris em outubro, ele instalou um emissor de luz dinâmica, com intensidade que quase cegava as pessoas – no topo da passarela. Também foram usadas luzes de LED na ocasião? E essas lâmpadas foram reutilizadas após a apresentação, que durou pouco menos de 15 minutos? “Eles são muito sigilosos a respeito das apresentações de moda e não gostariam de responder a perguntas”, explicou Marie-Laure Vaganay, porta-voz corporativa da empresa, quando questionada sobre o tema. 

Em alta
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

Depois de a Gucci investir anos em pesquisas para o desenvolvimento de um processo de produção não tóxico para o couro, esse novo produto estará disponível para clientes em suas lojas mais novas? A resposta é obscura: talvez. Provavelmente não. “Os consumidores olham para as marcas de luxo em busca de exclusividade, qualidade e status. Não tenho certeza onde a sustentabilidade se encaixa nesta ordem de hierarquia”, diz Robert Burke, fundador de uma consultoria de varejo em Nova York.

O compradores têm se manifestado mais a respeito de práticas trabalhistas e compensação justa, após escândalos como o desabamento de uma fábrica instalada no Rana Plaza em Bangladesh, em 2013. No entanto, ainda buscam preços muito baixos. É ainda mais difícil imaginá-los preocupando-se com a contaminação de lençóis freáticos. No cálculo do preço de uma jaqueta de motoqueiro de couro lavado da Saint Laurent, consciência ambiental não é um atrativo. E as marcas de luxo não tentam fazer com que seja. 

Daveu cita seu chefe, o CEO da Kering, François-Henri Pinault: “Nós não trabalhamos com sustentabilidade para agradar os consumidores e vender mais bolsas. Nós fazemos isso porque não temos outra opção. Trata-se de uma oportunidade de negócios e de liderança.” Mas, se você vai vender bolsas de qualquer forma, promover suas bolsas ambientalmente corretas não seria bom para os negócios e para liderança? A questão é que imagem predominante da moda “verde”, com sua conotação de tecidos ásperos e estilo “vegetariano”, ou seja, sem graça – prejudicam a mensagem cuidadosamente trabalhada da moda de luxo.

Os consumidores de artigos de luxo são atraídos pela visão romântica de artesãos qualificados que trabalham usando sapatos oxford feitos à mão. Ouvir alguém se gabar de seu novo suéter eco-friendly é tão emocionante quanto uma conversa sobre filtros de ar. Na internet, as discussões sobre novos tecidos sustentáveis não causam o mesmo frenesi que o lançamento de novas camisetas Balmain. 

Chefs de cozinha engajados levaram a sustentabilidade para o dicionário de cada pessoa entusiasta de comida produzida localmente. A Toyota fez de seus carros híbridos algo atraente. A Tesla tornou seus veículos elétricos glamourosos. “O papel das marcas de luxo é iniciar a conversa e criar o desejo”, disse Kwesi Blair, vice-presidente sênior de novos negócios da Robert Burke Associates. “O maior desafio: como eles farão esse tópico, até agora insípido, se transformar em algo sexy? Cortejar clientes com a sustentabilidade de uma bolsa Gucci ou Louis Vuitton pode ser o começo. 

Publicidade

Tradução de Priscila Arone  

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.