Entre top fashionistas, esvaziar o guarda-roupa agora é tendência

Sobre como o impulso de se vestir para as câmeras tomou conta da vida de fashionistas e por que eles decidiram que era hora de dar um basta nisso

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Por Vanessa Friedman
Atualização:
A editora Anna Dello Russo, famosa por seus looks extravagantes, desapegou e vendeu boa parte de seu closet num leilão na Christie's e no Net-a-Porter Foto: Alessandro Grassani/The New York Times

Esqueça as franjas e as penas; esqueça de dizer não à pele. É possível que a maior tendência da moda esteja prestes a ser se livrar de toda a sua... moda.

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Esta semana, Cameron Silver - o fundador da loja vintage de Los Angeles, Decades, famoso pavão e diretor de moda da H by Halston - usará sua loja e site decadasinc.com para vender 400 peças de seu próprio guarda-roupa adquiridas nos últimos 35 anos. Logo em seguida, outras 100 a 200 peças serão oferecidas no grailed.com.

Isto se segue a um leilão de roupas, realizado em fevereiro na Christie’s, de 30 peças do closet/apartamento da editora-influencer Anna Dello Russo junto com a venda de outras 150 peças suas no Net-a-Porter. E isso veio depois da venda, em 2008, por Daphne Guinness, de aproximadamente mil peças Chanel, Versace, Valentino e Saint Laurent (entre outros nomes) na Kerry Taylor Auctions.

Em meio a tudo isso, houve vendas menores de Chloë Sevigny, juntamente com Khloé e Kourtney Kardashian, e as irmãs Kendall e Kylie Jenner, todas com “lojas pop-up” especiais na therealreal.com, com as Jenner Kardashians desfazendo-se de mais de 500 itens ligeiramente usados ​​no ano passado.

Você pode se concentrar nos números bizarros e manifestar-se em público sobre a evolução de uma cultura na qual se é levado a perguntar: quem precisa de tantas roupas? Embora seja uma questão legítima, outra mais relevante pode ser: depois de décadas em que a fast-fashion deu origem ao luxo acessível e estimulou um ciclo sazonal acelerado que por sua vez gerou um exagero de acúmulos, sejam vestidos camisão ou tênis, Supreme ou Hermès, estamos finalmente chegando a um ponto crítico?

“Espero que sim”, diz Cameron Silver, que tinha um guarda-roupa de “milhares” de peças espalhadas entre suas casas em Los Angeles, Nova York e Pensilvânia, incluindo, ele diz, “50 casacos de pele masculinos armazenados em lojas em Los Angeles, e eu sequer uso pele. Foi como gastei dinheiro, em vez de comprar uma casa em Malibu.”

Cameron Silver com um blazer Alexander McQueen, uma das centenas de peças das quais pretende livrar seu guarda-roupa (e sua vida) agoraque percebeu o quanto estava obcecado com a necessidade de ser fotografado Foto: Karsten Moran/The New York Times

Ele ainda ama roupas, mas tem alguns novos mantras e os encara com a mesma paixão que uma vez encarou um terno de pink de Raf Simons para Jil Sander. Especificamente: “É chique repetir” e “as melhores novas roupas são as roupas velhas”.

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"Possuir a Decades foi para mim a mesma coisa que abrir uma estranha caixa de Pandora”, disse Silver. “Estava obcecado com o aumento de roupas, mas foi a loja que me tornou um colecionador. Procurei por peças que representassem uma temporada ou contassem a história do tempo em que vivíamos. Mas, depois, isso tomou conta da minha vida.”

Foram os marcos cronológicos conjuntos da loja que completou 21 anos e um eminente aniversário de 50 anos (Silver completa 49 anos no final deste mês) que serviram como motivação, disse ele, “para me libertar de todos esses pertences”.

É tentador culpar Marie Kondo e o seu best-seller A Mágica da Arrumação por tudo isso e há algo de simbólico e catártico ao se desfazer de peças de guarda-roupas.

Muitos dos vendedores citam razões pessoais e emocionais para se desfazer das roupas: Guinness vendeu as suas em parte como uma reação ao fim de seu casamento com Spyros Niarchos; Dello Russo o fez depois da morte de suas mentoras Manuela Pavesi e Franca Sozzani, e o começo de um novo relacionamento. Muitos, embora não todos, deram o produto da venda (ou pelo menos uma parte) a uma instituição de caridade, quase como uma forma de penitência pela indulgência.

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Mas, assim como as roupas em si refletem momentos específicos no tempo, as próprias liquidações podem nos dizer algo específico sobre o nosso momento particular. As vendas de Silver e sua turma parecem mais puramente relacionadas à atual cultura de consumo. São produtos da maneira em que o visual e a necessidade de preencher o vazio digital com “mais roupas loucas!” e “looks ainda mais loucos!” começaram a levar o consumo a níveis insustentáveis. Não no sentido ecológico, embora isso seja parte, mas no sentido psicológico.

É um ciclo vicioso peculiarmente contemporâneo: se a sua marca pessoal e a sua marca profissional são cada vez mais intercambiáveis, e parte dessa marca é vestida de forma bastante atraente, e esse tipo de roupa faz com que os fotógrafos procurem você e tirem fotos, isso, por sua vez, cria pressão para se vestir de maneira mais louca e mudar com maior frequência e comprar mais coisas.

Detalhe de uma das peças do acervo de Cameron Silver 

“Era muito forte a expectativa de que cada vez que eu aparecesse, estaria usando algo que fazia as pessoas olharem ou as deixassem de queixo caído”, diz Silver. “Era como arte performática, mas em certo momento senti que meu guarda-roupa se impôs sobre a minha autenticidade.”

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Esse fenômeno é o que levou em um nível menor à explosão do mercado de revenda, e sites como Vestiaire Collective, RealReal e (num nível mais acessível) ThredUp, onde os fashionistas vendem suas ostentações sazonais para abrir espaço em seus armários e ajudar a financiar os próximos. Em um nível maior, criou a situação de liquidações.

Antigamente, as compradoras de ilustrações da última moda - Nan Kempner, Jacqueline de Ribes - colecionavam roupas da maneira como colecionavam joias e porcelanas e depois as deixavam em um museu como o Met's Costume Institute ou o Palais Galliera em Paris, entendendo que se tornariam relíquias culturais. Agora eles podem se desfazer mais cedo e com propósito.

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Valerie Steele, diretora do museu do Fashion Institute of Technology, afirma que os leilões costumavam vender apenas peças dos séculos 18, 19 e início do século 20. “Agora 'vintage' significa algo mais que três estações, e até menos, às vezes”, escreve por email.

Além disso, fala Silver, “nem todo museu quer tudo.” Na verdade, antes de decidir vender suas roupas, ele doou uma série de peças para o Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles para “Reigning Men”, uma exposição sobre roupas masculinas, inaugurada em abril de 2016.

E não é como se ele não tivesse algo sobrando. Ainda há 300 pares de sapatos, ele disse, “e ternos em 50 tons de cinza de praticamente todos os estilistas que você pode imaginar", já que os ternos cinza se tornaram o seu novo uniforme. Mas, diz Silver, “é ótimo estar livre da pressão de descobrir quem é o estilista mais quente ou qual é a nova silhueta mais importante".

É um monstro criado por nós mesmos. Mas parece haver um crescente (e bem-vindo) consenso de que é hora de cortar sua cabeça.

Tradução de Claudia Bozzo

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Um blazer Moschino, outra das peças adquiridas por Cameron Silver nos últimos 35 anos eque vai ser colocada à venda Foto: Karsten Moran/The New York Times
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