Como surgiu a ideia da 'supermodelo'

Kathleen Horton, professora de moda da Queensland University of Technology, na Austrália, fala sobre a ascensão e a queda das top models

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Por Kathleen Horton
Atualização:
Naomi Campbell foi uma das supermodelos que despontaram nos anos 80 Foto: Steve Fenn/Oxygen

 

Desde meados até o final da década de 80 a associação entre moda, glamour e mulheres ficou mais reforçada num ícone cultural distinto: a supermodelo. Embora modelos altamente profissionais, com estilos e personalidades reconhecíveis já existissem desde os anos 50 (a favorita de Christian Dior era chamada Lucky) e modelos celebridade desde os anos 60 (como Twiggy), a versão dos anos 80 superava suas predecessoras em estatura, sucesso e - mais importante - em ganhos. 

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As supermodelos eram uma elite e um grupo exclusivo. Entre as figuras chave estavam as americanas Cindy Crawford e Christy Turlington, a britânica Naomi Campbell, a canadense Linda Evangelista e Claudia Schiffer da Alemanha. Este grupo não é definitivo e o termo foi aplicado a outras modelos com o “high-profile” dessa geração, incluindo a própria Elle 'The Body' Macpherson , da Austrália, e mais tarde a inglesa Kate Moss. Uma lista de características muito específicas garantiam o biotipo das supermodelos originais.

Em primeiro lugar, seus atributos físicos. Embora cada supermodelo tivesse um “look” distinto (o glamour do velho mundo de Linda versus o estilo bem comportado e gracioso de Cindy Crawford), todas tinham corpos magistrais. Fortes e esbeltos, oposto das magras e diminutivas, eles personificavam uma visão poderosa, intensa e até mítica da beleza feminina. 

Em segundo lugar, tanto em casa como nas passarelas ou nos editorais, uma supermodelo era uma supermodelo simplesmente por causa do seu valor de mercado. Prova disso foi a brincadeira de Linda com o jornalista Jonathan Van Meter: “Não saímos da cama por menos de 10 mil dólares por dia”.

Finalmente, as supermodelos de verdade conseguiam transcender o mundo da moda que as apoiava e passar para o mundo das celebridades, com tudo o que isso implica, incluindo encontros com estrelas de cinema, apresentação de programas de TV e alvo de revistas de fofocas. 

Naomi Campbell conversa com modelos Foto: Steve Fenn/Oxygen

 

As circunstâncias culturais exatas que viram os cachês das supermodelos subirem são difíceis de saber, mas é claro que inúmeros fatores se combinaram. Estilistas famosos como Versace e Karl Lagerfeld tornaram-se representantes da moda global, os mundos do entretenimento e da moda se fundiram através das redes de mídia internacionalizadas e, em Paris, John Casablancas, da Elite Model Management, criou uma nova versão, mais intrépida, da agência de modelos.

Uma das estratégicas básicas de Casablancas implicava o marketing das suas “garotas” como um grupo. O que se encaixava perfeitamente num gênero de fotografia de moda que começou a se desenvolver nos anos 50. Durante os anos 80 e início de 90, fotógrafos de moda de luxo, incluindo Peter Lindbergh, Steven Meisel e Herb Ritts, criaram editoriais temáticos que mostravam grupos de supermodelos, cada uma vestindo uma variação do mesmo tema. Nessa imagens sedutoras, cada modelo parece superar a beleza da outra, resultando num excesso vertiginoso de glamour. 

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As supermodelos encaravam a década de 90 com otimismo, aparecendo em massa nas capas das mais famosas revistas de moda do mundo e atraindo apoios lucrativos. Mas por outro lado, lutavam contra o relógio. Não só o “grunge” vinha substituindo o glamour como ideal de moda, mas a imagem por inteiro da supermodelo com sua beleza perfeita passou a atrair críticas de todo lado.

Apesar do fato de essas mulheres, sem exceção, serem naturalmente belas, elas começaram a personificar a ideia de hipocrisia, com frequência associada à moda. Além disso, como negociavam com sua aparência e enriqueciam pelo simples fato de “serem bonitas”, isto era considerado moralmente corrupto. Finalmente, e ironicamente, à medida que “a realidade” das suas vidas se tornava pública devido à maior exposição na mídia (casamentos que não deram certo, carreira no cinema fracassada, etc.), o simples fato de serem humanas funcionava contra elas.

A real traição, contudo, veio dentro do próprio setor. Na edição da Vogue de março de 1996, um artigo intitulado “Supermodelos, a continuação”, promovia quatro “rostos” novos e mais jovens, que procuravam manter-se distantes das suas colegas mais experientes. Embora todas as entrevistadas concordassem que as supermodelos tiveram um papel importante no setor da moda (e do qual elas agora se aproveitavam), nenhuma delas queria ter seu nome associado a um comportamento de prima-dona ou a uma autopromoção vazia.

Mais alinhadas com a realidade e com os pés na terra, davam a impressão de que não permitiriam que o valor de mercado da sua beleza subisse à cabeça. Para mim, talvez o mais nítido sinal de que o reinado das supermodelos havia realmente terminado foi quando Anita Roddick, fundadora da The Body Shop, lançou uma campanha muito bem sucedida “de propaganda honesta” em 1998, com a frase: “Existem três bilhões de mulheres que não se parecem com supermodelos e apenas oito que sim”.

Embora a campanha tenha obtido um amplo apoio e mudado o destino de Anita Roddick, acho uma pena que tal lógica tenha colocado ostensivamente as oito mulheres mais bonitas e bem sucedidas do mundo contra o resto. 

Tradução de Terezinha Martino

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