Betty Lago, a moda e o câncer

Colunista Michelli Provensi faz uma homenagem à atriz e fala sobre as dores e as belezas da vida e da morte

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Por Michelli Provensi
Atualização:
Betty Lago, o olhar sempre esfumado e misterioso: marca registrada da modelo e atriz Foto: Divulgação

"Hey, that`s no way to say goodbye", cantou Leonard Cohen, embalando minha manhã depois de algum tempo longe da escrita. Não queria escrever, mas Betty, como a água, é um lago de inspiração, tanto para um domingo chuvoso de sua partida, quanto para um setembro que mal começou e já se vê no meio.

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Se lá das terras de romaria faltava uma padroeira para a turma do pincel, Betty partiu desta para tomar este posto. Soube da sua passagem pela maquiadora do trabalho que fiz ontem, com os cílios a borrar, tentando se concentrar no serviço da beleza, ao me retocar com o pesar na fala de quem perde um amigo.

 

Hoje pela manhã, Renato Pessoa, meu maquiador na MTV, que conviveu com Betty durante sete anos no programaSaia Justa, foi da lágrima ao riso lembrando dos dias que ela sentava na sua cadeira. Ela não deixava "levantar" os seus olhos com maquiagem. Armava-se de um olhar languido, que para uns tinha rastro de tristeza, mas era de longe o que a deixava mais bela.

 

Onde acabava a base e começava o corretivo, insistia com toda honra e toda graça, em um esfumaçado no olho que apelidara de tio Chico da Família Adams. Marrom e preto, bem espalhado ao redor da pálpebra, em linha reta quase se esvaindo para baixo. 

Sabe aquele olho Marlene Dietrich, emoldurado por finas sobrancelhas? De Diva ela entendia e eu entendo agora como carregava essa certeza em seus traços.

 

Betty era o famoso "ouvi-falar-que-ela-é-demais"! Em um almoço em Paris, com o estilista Azzedine Alaïa no seu ateliê, a ex-modelo Linda Spierings e ele não pouparam elogios e dedicatórias de amor a ela. Postei uma foto com os dois, marcando Betty, e foi uma enxurrada de saudades e corações de emoji dela para os colegas do glorioso tempo em que a moda era glamour, com propriedade e pivôs na passarela.

 

Gente de nariz lindo e bom riso sempre lembra minha mãe. Como Betty, ela também foi desta pelas garras do câncer. Stromae, electro-rapper belga de quem virei fã pela classe, os vídeos e a música, lançou um clipe esta semana em que dança com o câncer, doença que levou o seu pai e a sua mãe. Brinca com as palavras: "Cancer, cancer, dis-moi quand c'est? Cancer, cancer, qui est le prochain?". Câncer, câncer me diga quando? Câncer, câncer, quem é o próximo?

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Betty Lago adorava se maquiar no banheiro, no escuro. No breu vinha sua luz e reconhecia sua feição. Era a mistura do drama com a comédia, divina assim como a vida e a sua trajetória, que renderia um clássico.

 

O câncer assusta, mas não tira o valor diante da vida. Abrace um cachorro, de um "esgatiado" no olho e pense nela com alegria. Em algum lugar, feito poeira de estrela, Betty continua dando gargalhada e chamando geral de bicha.

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