Alta costura é para poucos

E isso não se refere apenas aos preços de cinco dígitos das roupas. Da localização da loja em Paris ao método de confecção, as grifes precisam seguir regras rígidas para pertencer ao seleto rol da haute couture

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Por Giovana Romani
Atualização:
Membro permanente da semana de alta costura, a Chanel desfilou hoje cedo suacoleção couture. Karl Lagerfeld, estilista da maison, apostou na temática floral e criou um cenário que reproduziauma estufa Foto: AP Photo/Jacques Brinon

A semana de moda de alta costura começou no último domingo, 25, com o desfile da marca Atelier Versace, e já nos dias anteriores era impossível ignorar o burburinho causado pelo evento em Paris. Eu estava na cidade por outro motivo, mas o calendário da fashion week, os convites, as festas e a montação para os desfiles já dominavam as rodinhas de conversas. Afinal, “It’s couture, baby”, como costumam dizer os fashionistas mais empolgados nesta época do ano. No mundo off moda, a expressão equivaleria ao famigerado “Hoje é dia de rock, bebê!”. Ou seja, significa que trata-se de coisa boa. Bem boa. As coleções de alta costura existem para celebrar a glória, a técnica, a excelência e a tradição da moda francesa. E por que a Versace, uma grife italiana, inaugurou o evento? 

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Bem, melhor começar a responder com um glossário básico de moda. Expressão: alta costura. Definição: protegido por lei, o termo designa apenas a roupa feita na França, por uma maison aprovada pela Chambre Syndicale de la Haute Couture (a Câmara Sindical da Alta Costura), comissão reguladora que estabelece e fiscaliza uma série de regras impostas a seus associados. Para que possa receber a classificação, entre outras obrigações, uma grife precisa ter um ateliê próprio em Paris (mais especificamente, no chamado triângulo de ouro, formado pelas avenidas Montaigne, Georges V e Champs Elysées). Também deve confeccionar trajes sob medida com pelo menos uma prova de roupa, possuir um perfume próprio e apresentar duas coleções por ano com, no mínimo, 35 peças cada. Apesar da Chambre Syndicale existir desde 1868, os critérios acima entraram em vigor apenas em 1945. 

Marcas tradicionais como Chanel, Dior e Jean Paul Gaultier cumprem as exigências à risca e compõem até hoje a lista de membros permanentes da semana de couture. Mas, de novo, e a Versace nessa história? Por questões econômicas, o sindicato afrouxou um pouco suas rédeas e começou a aceitar também membros correspondentes, estrangeiros que, após passarem por uma seleção rigorosa, ganham o direito de participar da festa da moda francesa - foi o que ocorreu com marca de Donatella Versace, que após um intervalo, voltou a desfilar em 2012. Giorgio Armani (italiano), Gustavo Lins (brasileiro), Elie Saab (libanês) e Viktor & Rolf (holandeses) também integram a legião internacional da fashion week. E há ainda outra categoria, a dos membros convidados, criada em 1998 para dar visibilidade a novas marcas de luxo por uma ou mais temporadas. Aí se enquadram, por exemplo, Schiaparelli (reaberta recentemente), Ralph & Russo e Zuhair Murad, alguns dos destaques da semana que está rolando agora. 

A italiana Versace, que abriu a temporada de couture no domingo,é uma das marcas estrageiras que possui concessão para participar do evento em Paris Foto: AP Photo/Zacharie Scheurer, File

"Alta costura é uma patente e nem deveríamos usar o termo para se referir a algo de fora da França", ensina o professor João Braga, um dos maiores historiadores de moda do país, com quem tive a honra de aprender essa história. "Por isso, na Itália, há a "alta moda" e, nos Estados Unidos, o "high fashion". Aqui mantivemos o mesmo termo por falta de algo melhor." Na prática, aquilo que chamamos de alta costura por aqui passa longe do pragmatismo francês. E dos preços cobrados por lá também, claro. Devido à exclusividade e à alta exigência técnica os preços superam facilmente o quanto se paga por um carro popular e têm o céu como limite. O longo vermelho Dior usado por Jennifer Lawrence no Oscar do ano passado, por exemplo, custou 80 mil dólares, ou 206 mil reais, quantia capaz de comprar seis automóveis Gol novos, da Volkswagen. Já o modelo Armani Privé exibido por Cate Blanchett no mesmo evento tinha valor estimado de 100 mil dólares, quase 260 mil reais, duas vezes o preço de um Mercedes Benz GLA 2015. Cifras exorbitantes à parte, como o belo alimenta a alma e sonhar é de graça, continuamos vidradas na semana de moda por aqui. Afinal, it’s couture, baby! Está liberado transgredir.

Jennifer Lawrence, de Dior Haute Couture, e Cate Blanchett, de Armani Privé, no último Oscar: os dois vestidos juntos custam mais de 450 mil reais Foto: Jordan Strauus/Ap - Reuters
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