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Visitas que dão resultado

Taboão incentiva professor a ir à casa do aluno; nota melhora

Foto do author Renata Cafardo
Por Renata Cafardo
Atualização:

Danilo pediu para a mãe comprar bolo e presente. Ryan correu para esperar no portão. E Nicole fez escova no cabelo para receber a professora em sua casa na semana passada. As três crianças são alunas da rede municipal de Taboão da Serra, cidade pobre da região metropolitana de São Paulo. Numa iniciativa inédita no País, que acaba de ser premiada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a prefeitura passou a pagar R$ 35 para cada visita que os professores fizerem aos alunos. Eles devem visitar todos os estudantes de suas salas pelo menos uma vez por ano. Avaliações feitas pela Secretaria Municipal da Educação mostram que o desempenho de estudantes visitados chega a ser 80% superior ao dos que não receberam os professores em casa. Foram avaliadas 8.300 crianças da 2ª e da 4ª série do ensino fundamental, em português e matemática. A diferença nos resultados de um grupo para outro é de, no mínimo, cerca de 20 pontos (numa escala de 0 a 100). Os índices de evasão também melhoram após o início do programa. Vinte mil famílias já foram visitadas desde que o projeto começou, em 2005, o que representa quase 65% do total de alunos da cidade. Terça-feira foi o dia da 20ª visita do ano feita pela professora Camila Pettinari, de 24 anos. "Ele quase não dormiu à noite, perguntava toda hora se era hoje que a professora vinha", conta a mãe, Edna Fernandes, ao abrir a porta. Danilo, de 4 anos, corre e entrega uma agenda cor-de-rosa para a professora; ela mal abre o presente e o menino chega com um bolo de fubá. Da casa simples, um cômodo só, os pais vão tirando livros infantis, álbuns de fotos, um pedaço de papel com algumas letras escritas pela criança que começa a se alfabetizar. "Antes ele não gostava de ir para a escola, agora amadureceu, graças à Camila", elogia a mãe. As visitas duram cerca de 40 minutos, uma hora. O projeto é voluntário, os professores precisam fazer o trabalho em horários alternados às aulas, mas 600 dos cerca de mil que trabalham na rede municipal quiseram participar. O valor pago para cada visita acaba representando um salário a mais no fim do ano - em média. Os docentes da educação infantil e fundamental de Taboão recebem, em média, R$ 1.100 por mês. "A participação da comunidade não deve ser apenas um slogan. E não podemos só ficar esperando que ela vá até a escola", diz o secretário municipal da Educação de Taboão da Serra, César Callegari. Estudos internacionais têm mostrado a importância da aproximação entre a família e a escola para o desempenho da criança, para diminuir índices de repetência e de evasão. "É uma das variáveis que mais influenciam na aprendizagem", diz a coordenadora de educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Mariulza Regattieri. "Em reuniões de pais, acabam discutindo apenas problemas, não a vida e a aprendizagem dos alunos", completa. Além do prêmio da ONU, a Unesco se inspirou no programa de Taboão para elaborar um projeto com o Ministério da Educação (MEC) para todas as escolas públicas do País (leia texto abaixo). SEM VISTORIA Callegari - que também é membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) - explica ainda que a secretaria pede para que os professores não levem pranchetas nem façam anotações durante a visita. A intenção não é a de parecer uma vistoria, completa. "A idéia é ter um canal de diálogo permanente, mais íntimo e afetivo." Na maioria das visitas, a professora sai direto da escola e vai caminhando, com o aluno, até a sua casa. Os estudantes quase sempre moram a poucos metros de onde estudam, e isso também é uma estratégia para garantir a segurança ao entrar em bairros violentos. A prefeitura, no entanto, não tem nenhum registro de ocorrências durante as visitas. A professora Eliane Varga, de 27 anos, chega com a aluna Nicole dos Santos, de 8, para a segunda visita. "Queria que ela viesse todo dia", diz a menina, abraçada à professora. Eliane conta que a aluna passou a participar mais das aulas, a se interessar mais pelos conteúdos, depois da primeira vez que esteve em seu quarto, conhecendo o gato de estimação, ouvindo histórias de quando ainda era bebê. "As crianças me cobram o dia que vou à casa delas. As mais indisciplinadas se transformam depois da visita", conta. Para o educador da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Artur Costa Neto, uma das razões principais para o projeto dar certo é a relação entre afetividade e aprendizagem. "A criança aprende mais quando estabelece esse vínculo, quando gosta do professor", diz. Ele acredita que um programa como esse poderia ser facilmente adotado em cidades maiores, como São Paulo, porque as escolas são divididas por regiões, o que deixa os professores próximos das comunidades onde trabalham. Depois de se desculpar pelo pouco espaço, a dona de casa Edna Santos Oliveira conversa com a professora do filho Ryan, de 6 anos, sobre a dificuldade na fala do menino. Conta que procurou uma fonoaudióloga e que foi encaminhada a um otorrino. "A gente se sente mais valorizada na profissão, mais importante", conta a professora Gabrielle Parra, que já visitou 31 dos seus 33 alunos neste ano. Na casa de Ryan, ela descobre que o menino dorme com a irmã na cama de baixo do beliche, dividido ainda com o irmão mais velho. Também percebe que a mãe não gosta muito que o menino brinque na rua. E que a casa fica embaixo do bar do pai. Educadores destacam a importância de o professor conhecer a realidade de cada aluno para direcionar o trabalho feito em sala de aula. "As escolas costumam ter um programa feito e querem encaixar todos os alunos nele. Mas elas precisam trabalhar a partir das dificuldades que cada criança tem", diz Costa Neto. "Há casos de professores que cobravam uma letra caprichada do aluno e, ao visitarem a criança, descobriram que não havia uma mesa para estudos", completa Mariulza, da Unesco, citando um caso ocorrido em Taboão. "A educação de qualidade é uma soma de iniciativas, mas com certeza essa é uma estratégia importante."

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