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Uso clínico de célula iPS será difícil

Especialistas ressaltam que principal aplicação será em ciência básica, no estudo de doenças e teste de drogas

Por Herton Escobar
Atualização:

A produção de células-tronco de pluripotência induzida (iPS, em inglês) representa um grande avanço para a ciência, em particular para a biomedicina. É apenas uma questão de tempo até que os pesquisadores consigam produzi-las sem a utilização de vetores virais, tornando-as muito mais seguras para uma eventual aplicação terapêutica. Ainda assim, é "extremamente improvável" que essas células um dia sejam injetadas em pacientes para curar doenças, segundo a neurocientista Maureen Condic, diretora do curso de embriologia humana da Universidade de Utah, nos Estados Unidos. "Baseado em todas as evidências científicas acumuladas nas últimas décadas, o uso terapêutico de qualquer célula pluripotente será extremamente problemático", disse Maureen ao Estado, em entrevista por telefone. "As iPS são as que parecem mais promissoras, mas não tenho grandes esperanças sobre nenhuma delas (pluripotentes)", completa a cientista, que recentemente publicou um artigo na revista Stem Cells sobre as dificuldades de regular o uso desse tipo de terapia. As células pluripotentes são aquelas com capacidade para se transformar em qualquer tecido do organismo. Até recentemente, a única maneira de obter essas células era extraí-las de embriões humanos - o que motivou uma série de restrições éticas à pesquisa. No final de 2007, porém, surgiu uma nova tecnologia: a reprogramação genética de células adultas (da pele, por exemplo) em células pluripotentes, com as mesmas características das embrionárias. As primeiras linhagens brasileiras desse tipo de célula (iPS) foram produzidas recentemente por grupos no Rio e em São Paulo. A expectativa quanto ao seu potencial terapêutico é enorme, mas os cientistas são cautelosos: a única aplicação garantida dessas células, por enquanto, é em pesquisa básica, como modelos para o estudo de doenças e a experimentação de drogas in vitro. O que já é muito importante, segundo o presidente da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe) do Brasil, Luiz Eugênio Mello. "Sem dúvida é um avanço enorme para o conhecimento básico da biologia, independentemente de qualquer uso clínico dessas células", disse. O conhecimento obtido com o estudo das células iPS e embrionárias poderá ajudar no tratamento de doenças, mas isso não significa que as próprias células serão usadas como tratamento, avisa Condic. Segundo especialistas, há muitas barreiras técnicas, éticas e regulatórias que ainda precisam ser vencidas até que isso seja possível. A primeira, no caso das iPS, é eliminar o uso dos vetores virais - um problema que, segundo os pesquisadores, deverá ser resolvido em breve. As células iPS têm a vantagem de não serem provenientes de embriões, o que permite que sejam derivadas diretamente de células dos pacientes. Ainda assim, segundo Maureen, elas carregam os mesmos problemas intrínsecos das células embrionárias: o risco de formação de tumores e a dificuldade de controlar a sua diferenciação. "Qualquer célula pluripotente terá esse problema", afirma a cientista. Segundo ela, em 25 anos de pesquisa com células-tronco embrionárias, ainda faltam trabalhos que demonstrem um uso terapêutico eficaz, seguro e definitivo de células pluripotentes em modelos animais. Sobre o ensaio clínico com células-tronco embrionárias em seres humanos aprovado na semana passada nos EUA, Maureen se diz preocupada: "Fiquei muito surpresa de o projeto ter sido aprovado". Ela acredita que as células iPS, por serem mais fáceis e baratas de produzir, acabarão por dispensar por completo o uso das células de embriões. Especialista brasileiros discordam. "Precisamos continuar pesquisando as embrionárias e as iPS. Só o futuro vai dizer qual é a melhor", diz o médico Dimas Tadeu Covas, do Hemocentro da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, que derivou uma das linhagens iPS no Brasil.

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