União joga a culpa do caos sobre os Estados

Governo federal finalmente confirma liberação de R$ 2 bi emergenciais

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Por Sergio Gobetti , Ligia Formenti e Emilio Sant'Anna
Atualização:

Brasília - Depois de idas e vindas, o governo federal finalmente confirmou ontem a liberação de R$ 2 bilhões a mais para o Ministério da Saúde usar no reajuste das tabelas do SUS em 2007. Mas os dois ministros que anunciaram a medida aproveitaram para culpar os Estados pela crise que afetou principalmente o Nordeste, com paralisações de profissionais, e vitimou ontem, no Espírito Santo, mais uma pessoa por falta de atendimento - uma mulher de 27 anos, grávida de 5 meses.  Veja mais números da saúde Os ministros da Saúde, José Temporão, e da Fazenda, Guido Mantega, distribuíram uma lista na qual acusam 19 governos estaduais de não cumprirem o piso constitucional de aplicação de recursos na saúde. Pela Constituição, os Estados devem aplicar 12% das suas receitas tributárias em ações e programas de saúde pública. Nos relatórios que encaminham ao Tesouro Nacional, a maioria dos Estados declara estar cumprindo esse piso, mas o Ministério da Saúde refez os cálculos, expurgando despesas que não são típicas de saúde, e descobriu que faltam R$ 5,7 bilhões para chegar ao mínimo. "Se os Estados cumprissem a Emenda Constitucional nº 29, a situação da saúde seria menos dramática", desabafou Mantega. É essa emenda que estabelece que União, Estados e Municípios devem destinar uma quantia determinada de seu orçamento para gastos em Saúde. De acordo com o levantamento do Ministério da Saúde, o Estado em pior situação é o Rio Grande do Sul, que teria aplicado em saúde apenas 4,99% de sua receita em 2005, seguido por Minas, com um índice revisado de 6,87%. São Paulo também aparece na lista, mas por muito pouco: 11,69%. Segundo Temporão, uma das medidas que o governo estuda adotar no âmbito do que chama de PAC da saúde é regulamentar a definição das despesas que os Estados podem contabilizar dentro do piso. "A medida mais drástica é chamar os Estados e municípios a sua responsabilidade", ameaçou. TABELA DO SUS A Frente Parlamentar da Saúde não nega que haja má gestão dos recursos do SUS e que alguns Estados se aproveitam da falta de regulamentação da emenda 29 para fazer investimentos que não podem ser considerados "ações de saúde". Mas a União, disse ontem o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), que preside a frente parlamentar, também não pode negar que "a tabela do SUS foi reajustada em 37% do Plano Real até outubro do ano passado, enquanto o IGP-M (índice de inflação que melhor capta os custos de saúde) acumulado no mesmo período foi de 418%". Os dados, segundo o deputado, são do Centro de Estudos e Pesquisa Econômica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e secretário da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, o colapso do atendimento nos Estados do Nordeste é só um exemplo do problema causado pelo repasse de valores defasados. Terra afirma que, enquanto os investimentos em saúde de Estados e municípios cresceram nos últimos anos, o governo federal diminui seu investimento proporcional. "Na década de 80 o governo era responsável por 70% dos recursos em saúde, em 2000 colocava 57%, hoje, 48%", diz. Um dos gargalos do SUS, afirma o presidente do Conass, é a má remuneração dos procedimentos de média complexidade. "Em um parto normal, por exemplo, um médico ganha cerca de R$ 30." "Houve um aumento significativo nos recursos destinados à saúde. Mas ainda está longe do suficiente", afirma o presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Consems), Elvécio Miranda, de Belo Horizonte. Entre 2000 e 2005, o gasto público total com saúde cresceu 110%. O gasto anual por pessoa passou de US$ 110 para US$ 153. Mesmo assim, o investimento público em saúde é 10 a 15 vezes menor que o do Canadá e o da Austrália, por exemplo. RESSARCIMENTO Emergencialmente, a equipe econômica aceitou antecipar o desembolso de R$ 2 bilhões que, segundo Mantega, estava programado para o final do ano. Na semana passada, quando Temporão anunciou a liberação da verba, o ministro da Fazenda chegou a negar. Ontem, argumentou que a decisão ainda não estava fechada naquele momento. "Estamos apenas antecipando os recursos para cumprimento da emenda constitucional", disse o ministro, referindo-se à regra que também vale para a União. Mas, enquanto Estados e municípios têm de aplicar 12% e 15% da receita, respectivamente, o piso de gasto da União não está vinculado às suas receitas, mas ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A regulamentação da emenda 29, que aguarda votação no Plenário da Câmara, sugere nova fórmula de vinculação para os gastos da União: ela teria de reservar 10% das receitas correntes. Temporão afirmou ainda que, até a próxima semana, já deve apresentar uma proposta preliminar do PAC da saúde para a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas não quis antecipar detalhes. Apenas adiantou que deve incluir no pacote a proposta de obrigar os planos de saúde suplementar a ressarcirem o SUS quando seus conveniados usarem hospitais públicos. FRASES "Eu acho que não está longe de a gente atingir a perfeição no tratamento de saúde neste país. Para isso, nós temos que fazer mais investimento" em 19 de abril de 2006 Luiz Inácio Lula da Silva Presidente "A participação do gasto público no total de gastos na Saúde é de 45%. Em qualquer País com um sistema parecido com o Brasil, a participação é de 70% a 75%" em 11 de junho de 2007 José Gomes Temporão Ministro da Saúde

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