Uma mulher em forma de arte

Poetisa, atriz e cantora, Elisa Lucinda leva uma vida simples, mas cheia de poesia

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Por Agencia Estado
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No supermercado, um casal de fãs abordou Elisa Lucinda. O marido disparou: ?Você ainda vai matar meu sogro do coração!? A explicação: toda vez que a médica Selma, interpretada por ela na novela global Páginas da Vida, aparece na telinha, o sogro começa a suar, tremer, sofrer de taquicardia. Pudera. A beleza da negra de olhos verdes, cheia de curvas, é mesmo acachapante - resultado da mistura étnica em suas raízes. E é exatamente o coração das pessoas que ela procura atingir: além de atriz e cantora, Elisa é poetisa e apresenta seus poemas de forma natural, porém cheia de intensidade. A carreira começou mesmo com a poesia, desde a infância em Vitória, no Espírito Santo, sua terra natal. Elisa esperava ansiosamente pelo dia da árvore e outras festividades para declamar no colégio. Já aos 11 anos, passou a fazer parte de um curso de interpretação de poesia, no qual ficou até os 17: era destaque das apresentações anuais. Foi nessa idade que começou a tecer seus próprios versos. O talento para redigir levou-a à faculdade de Jornalismo, incentivada pelo pai, advogado e político, e a mãe que gostava de cantar pela casa. Já na universidade, logo começou a se apresentar com um grupo de teatro amador. Depois de trabalhar em um jornal de Vitória, foi para um telejornal fazer matérias de arte, o que aguçou seus próprios dons. Foi cobrir um show de Elba Ramalho no teatro onde se apresentava com o grupo teatral, e sentiu que queria estar naquele palco. ?Percebi que queria ser a notícia, ao invés de dá-la?, conta ela, com a voz rouca, de timbre grave. Com total apoio e cumplicidade dos pais, aos 27 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde perseguiria o seu sonho. O filho Juliano ficou com o ex-marido em Vitória. E lá foi ela estudar teatro na capital fluminense, com seus versos embaixo do braço. Ela tinha um plano: depois que ficasse conhecida como atriz, investiria na divulgação de seus poemas, porque, afinal, era muito difícil fazer essa arte vingar no País. Mas ocorreu o contrário. Elisa chegou em um momento efervescente para a poesia no Rio. Começou a se apresentar em pequenos shows em bares, dizendo (ela não gosta da palavra ?declamar?) seus poemas de forma intensa e completamente nova, porque fugia do tom engessado das declamações. Como as pessoas queriam levar os textos para casa, começou a vender poemas avulsos e livros artesanais escritos à mão, enrolados em forma de canudinho. ?Isso pagou muitos aluguéis e contas?, lembra. Foi por meio dessas apresentações que ela começou a se tornar conhecida, passando a ser solicitada para peças, musicais e até novelas. ?Tendo a poesia como meu pistolão, consegui respeito?, brinca. Hoje, já tem dez livros publicados. O amor é tema recorrente dos seus versos, que podem misturar palavras difíceis e chulas, além de situações cotidianas - que é de onde ela extrai suas maiores inspirações. Por sua interpretação, mereceu elogios até do escritor português José Saramago. ?Você põe o poema em pé?, disse ele, depois de um ?recital? de Fernando Pessoa. ?Já na escola, os professores não sabem dizer poema. Daí fica aquela coisa que todo mundo tem medo?, fala, usando gestos largos. Foi por meio dessa modalidade que conheceu o autor de novelas (e também poeta) Manoel Carlos. Depois de participar de Mulheres Apaixonadas, passou a integrar o elenco da segunda novela dele. Em Páginas da Vida, ele queria uma médica negra, e escolheu Elisa a dedo para o papel. Apesar da beleza e projeção, ela não deixou de ser alvo de preconceito na vida real. Uma vez, foi barrada em seu próprio espetáculo, porque o segurança não acreditava que ela era a estrela do show. ?Por isso é tão importante ter uma médica negra na TV.? Na novela, sua personagem contracena com Regina Duarte, para quem só tem elogios. ?Ela é muito humilde, aquariana como eu. Já foi me convidando para tomar chá na casa dela. Ela me ensina muito sobre televisão, tem um tempo de atuar que é incrível.? SIMPLICIDADE - Elisa não tem deslumbres com a fama. ?Acho muito louco quem faz da vida um personagem, e está sempre atuando.? Sem melindres, ela vai à feira, gosta de correr, andar de bicicleta, ir ao cinema... Enfim, leva uma vida normal. Outro dia, quando uma mulher pediu um autógrafo seu para o filho de 2 anos, Elisa sussurrou em seu ouvido: ?Não minta para o seu filho, o autógrafo é para você. Ele não tem idade para saber quem eu sou. Dessa forma, você já está ensinando para ele que a mentira é algo normal.? A casa na Lagoa, região onde mora no Rio, ela divide com o filho Juliano, cineasta de 24 anos. ?Criamos nosso filho de uma forma revolucionária: colocamos limites pela palavra. Nunca teve briga, gritaria?, conta ela, se referindo ao primeiro marido, um psicanalista de quem é amiga até hoje. Há dois anos, separou-se do segundo marido, curiosamente, outro psicanalista. Hoje namora, mas faz mistério sobre o objeto de afeto. E tem seu lado boêmio e caseiro. No lar, gosta de cozinhar, cuidar do jardim, promover saraus e dar aulas. Afinal, é lá a sede da Escola Lucinda de Poesia Viva, com cursos que ensinam a ?dizer? poesia. Hoje, sua rotina é puxada. Elisa divide-se entre as gravações da novela, de segunda a sexta, e o espetáculo Pare de Falar Mal da Rotina. Aliás, é do cotidiano que vem suas grandes inspirações. Ela escreve os poemas o tempo todo, num caderninho rosa em forma de bolsa, que carrega para onde vai. ?É no trivial que aprendemos tudo, não no acontecimento grande. O jogo se ganha no varejo.? Ela conta que tem quatro livros prontos, entre poesia, crônica e temática infantil. Mas não é só: tem ainda planos de gravar um CD de MPB com produção da amiga Ana Carolina (para quem escreveu o discurso sobre políticos que virou hit do álbum ao vivo com Seu Jorge). Como tem tempo para tantas atividades? ?Sou uma mulher concomitante?, define ela.

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