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Teresa & Diana

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Por Redação
Atualização:

Passados dez anos, duas mortes têm repercussão diferente. Muitos lembraram de Diana. Muitos esqueceram de Teresa. E foram duas mulheres que viveram e se apagaram ao mesmo tempo. Por um lado a juventude, por outro, a velhice. Por um lado o glamour do Ritz, por outro, a miséria de Calcutá. Por um lado a princesa que se "dava a ver", por outro a plebéia que se dava aos outros. Enfim, a diferença entre o profano e o sagrado, entre o terreno e o espiritual. Eram mundos irreconciliáveis que se cruzaram quando Diana resolveu mediatizar a filantropia, abraçando leprosos e beijando aidéticos. Atriz de uma terapia salvadora, sempre com penteado e roupas impecáveis, ela exportou o mito da princesa benfazeja a milhões de espectadores mundo afora. Afinal, depois da adúltera, a santa. Entre recepções grandiosas e desfiles de moda, Diana, a esposa humilhada, usava a mídia para dar amplitude à sua ação e à imagem de mulher sensibilizada com as dores do mundo. Queria deixar para trás aquela do reality show, onde o que ficou não foi o dito. Mas o visto: o conflito, a separação, o abandono, a solidão. Um rosto de olhar bovino e boca trêmula que repetia sobre o seu amante: I loved him! Milhares de telespectadores reconheceram nas suas confidências televisuais os seus próprios problemas. Descobriam, aliviados, que a menina rica era no fundo pobre. Já Teresa não era um mito, mas uma realidade. E revolucionária. Vivendo entre favelados e miseráveis, praticava o kharma yoga, criticou várias vezes as posições morais da igreja e defendeu convicções religiosas que não eram as suas. Seu desejo não era de unir-se a um novo príncipe, mas ao país que escolhera e ao qual se dedicava. Sua riqueza? Um saco contendo dois saris, um pedaço de sabão, roupa de baixo, um prato e um travesseiro. Além disto, uma disponibilidade absoluta para ajudar. Ela costumava dizer que não valia a pena deixar alguém se aproximar se não fosse para fazê-lo mais feliz do que estava ao chegar. Amava uma humanidade que desprezava o seu despojamento e que era surda às suas mensagens. Espécie de décimo terceiro apóstolo de saias, Teresa apostava em fazer o bem, lutava contra um mundo sem Deus, afirmava a dignidade da pessoa humana. Para ela, a verdade não era um clarão fugaz, fundado em programas político-sociais, na filosofia da moda, nos livros de auto-ajuda. Mas alguma coisa que pacificava o coração e vinha do alto. Era renovação e calor na maneira de lidar com a realidade. À morte anunciada de Teresa correspondeu a morte violenta, mas absolutamente trivial de Diana. O corpo da princesa ficou invisível. Ninguém viu as fotos da bela loura despedaçada. As imagens da mulher de trinta anos se encarregaram de alimentar o mito, mistura de velocidade, amores, depressão e aventuras a todo o preço. Sua memória permaneceu na forma de um conto de fadas que terminou mal. O corpo de Teresa foi tocado e beijado pelos seus, deixando a lembrança da mulher consumida por seu próprio projeto. Abatida, usada, envelhecida, mas de verdade. Diana e Teresa são dois símbolos de uma época marcada pela busca de um sentido para a vida. Busca entre a contemplação e a ação, entre a solidão e a necessidade de compartilhar. Há dez anos, ambas pareciam inscritas na eternidade. Hoje, parecem eternizadas apenas pelas lembranças que temos delas. E eu me lembro mais de Teresa do que de Diana.

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