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Sinal de alerta

A criança não consegue ficar parada, concentrar-se e vai mal na escola? Pode ser déficit de atenção

Por Fabiana Caso
Atualização:

O empresário Joseph Bukstein Vainboim, 25 anos, estudou em colégios tradicionais paulistanos, até o final do ensino fundamental. "No maior deles não tinha apoio nenhum. E a psicóloga ainda foi falar para os meus pais que eu era um moleque", fala, contando que só teve o diagnóstico de déficit de atenção com profissionais fora da escola. Vainboim cursou o ensino médio nos Estados Unidos e de volta ao Brasil montou com sócios a Upgrade Centro de Treinamento, uma escola de reforço para alunos do ensino médio e preparatório para o vestibular. Por definição, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é uma dificuldade de concentração em qualquer atividade. "Se a criança chega em casa e fica duas horas jogando vídeo game não é déficit de atenção", alerta a psicóloga Vera Zimmerman, co-autora do livro Singularidade na Inclusão, Estratégias e Resultados (Pulso Editorial), e pesquisadora de problemas de aprendizagem. Vale o alerta, porque o transtorno anda na moda e servindo de justificativa para qualquer problema infantil, de leve a grave. Segundo o psiquiatra e neurologista Paulo Mattos, presidente da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), no Brasil cerca de 5% das crianças e jovens têm TDHA. Trata-se de um transtorno neurobiológico de origem genética, com início na infância e que costuma persistir por toda a vida. As maiores alterações são hiperatividade, impulsividade e desatenção. Os profissionais aptos a tratar da doença são o neurologista e o psiquiatra, incluindo, às vezes, um psicólogo. Em alguns casos, exige medicação. Se o tratamento não tiver início logo, e o déficit for confundido com molecagem, corre-se o risco de desencadear o efeito bola de neve: a criança não consegue se concentrar e, por conseqüência, não aprende nem assimila os conteúdos da escola. E sente-se cada vez mais ansiosa e com a auto-estima baixa por ver a frustração dos pais e professores. "Isso acaba virando um problema cognitivo, que pode ser confundido com uma patologia mental", explica psicóloga Vera. Quando se toma consciência de que a falta de atenção tem uma justificativa, surge a questão: que tipo de escola está preparada para lidar com o TDHA? Na opinião do presidente da ABDA, nas turmas grandes, fica difícil o professor perceber que o aluno tem o transtorno, quanto mais dispensar uma atenção especial. A ABDA promove cursos de capacitação para que os professores aprendam a lidar com o TDAH. "Muitos deles vêm achando que vamos ensinar como controlar essas crianças, e não é isso", explica. "Quando há déficit, o professor não pode ficar chamando a atenção desse aluno que já tem a auto-estima baixa. Uma boa solução é chamá-lo para ser uma espécie de auxiliar em sala de aula: pedir para apagar a lousa, pegar o giz. Dessa forma, ele não fica parado e está fazendo algo positivo." A psicóloga Vera ressalta a importância de a criança ter um vínculo com o professor ou outro funcionário da escola. "É necessária uma pessoa que a ajude a se organizar com os cadernos, as tarefas e o resto, como uma espécie de tutor." Sentar próximo à lousa também ajuda, assim como ter um único professor para todas as matérias. Reforça que o ideal seria que todas as escolas, particulares e públicas, estivessem preparadas para lidar com o TDAH. "O problema é que a estrutura das escolas ainda é focada na padronização. Isso impede que o professor invista nas particularidades individuais", observa. "" PERSONALIZAÇÃO Algumas poucas escolas da capital paulista seguem a filosofia citada pela psicóloga, concentrando-se em sanar dificuldades de aprendizado. O colégio Graphein, que há 17 anos oferece ensino da pré-escola até o preparatório para o vestibular, cria um projeto de estudo individualizado depois de uma avaliação do histórico pessoal. "O déficit de atenção exige um projeto de estudo a partir do que interessa a esse aluno", diz uma das diretoras, a psicoterapeuta Nivea Maria Fabricio, também co-autora do livro Singularidade na Inclusão, Estratégias e Resultados. As salas de, no máximo, nove alunos são montadas considerando o interesse de cada um. A matemática, por exemplo, pode ser ensinada a partir da culinária, marcenaria, fotografia ou até de uma compra em mercado. "Tudo depende de você motivar o aluno e fazê-lo perceber que ele é capaz de dar conta do recado." Nivea destaca que o TDHA não tem nenhuma relação com nível de inteligência. Seus ex-alunos entraram nas melhores faculdades e são hoje profissionais bem-sucedidos. "Quando chegam aqui, quase sempre há um problema de auto-estima, que desencadeia ansiedade, angústia e mais inquietação. O importante é perceberem que conseguem aprender." O advogado João Eduardo Negrão de Campos transferiu o filho João Pedro, de 16 anos, para o Graphein no início deste ano. Ele teve o diagnóstico cedo, consultou-se com neurologistas, psiquiatras e tomou medicamento por quatro anos até ter alta. João Eduardo e a ex-mulher tentaram diversos colégios tradicionais, que não funcionaram. Agora, João Pedro tira ótimas notas: só A e B. NOVO ESQUEMA Há 32 anos, a Escola Novo Ângulo, Novo Esquema oferece ensino fundamental e médio para crianças com peculiaridades. A pedagoga Rita de Cássia Rizzo é uma das quatro diretoras. "Entendemos que as pessoas são diferentes e todas podem aprender." A educação é organizada nos ciclos, básico, intermediário e avançado. Isso significa que o aluno tem um tempo expandido para absorver os conteúdos. "Usamos recursos como a construção de pipas e jogo de xadrez nas aulas de matemática", conta Rita. O programa personalizado é criado depois de uma avaliação criteriosa com os pais e a própria criança. "Quase sempre, um pouco de boa vontade e um olhar para a necessidade do outro são suficientes", acredita Rita. "Também ensinamos a criança a criar mecanismos de defesa para conviver com o transtorno. Afinal, todos temos algum ponto fraco".

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