Os vizinhos fizeram as pazes com o Parque do Iguaçu

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Por Marcos Sá Corrêa
Atualização:

No dia em que virou setentão, o Parque Nacional do Iguaçu nem parecia o mesmo que continuava sob o ataque de prefeitos paranaenses, em campanha para trespassá-lo com a Estrada do Colono; de guaranis, que vinham do Paraguai para invadi-lo; e de caçadores clandestinos, que nunca deixaram de considerá-lo reserva privativa de carnes exóticas. Seu aniversário foi uma dessas festas que o País raramente faz para selar o armistício dos brasileiros com o que ainda lhes resta de original em seu território. Pelo menos no sábado passado, em Foz do Iguaçu, políticos e empresários se revezaram ao microfone para homenageá-lo, tratando-o como parceiro comercial. Pudera. A cidade só começou a virar o que é - grande, com mais de 300 mil habitantes, talvez até demais para seu próprio conforto - depois que ele se instalou a seu lado em 1939. Conservar as cataratas foi o maior negócio que já se consumou no oeste paranaense. E o único que partiu do projeto de deixar as coisas por lá mais ou menos como estavam, quando em meados do século passado as empresas colonizadoras e madeireiras apertaram o cerco sobre as florestas do sertão paranaense. Antes do parque, o futuro de Foz do Iguaçu parecia entregue às serrarias e às hidrelétricas. Ele saiu do papel na segunda leva de parques nacionais decretados no governo Getúlio Vargas. Mas, em aspectos cruciais, foi o primeiro. Constou de uma proposta visionária, feita pelo engenheiro André Rebouças em 1876, quando o mundo mal começava a se perguntar o que vinha a ser essa invenção do governo americano, inaugurada no Yellowstone quatro anos antes. Foi também o primeiro a se livrar no Brasil de seus entraves fundiários, reassentando pacificamente, mas sem os salamaleques instituídos de 21 anos para cá, as 700 famílias que viviam lá dentro. Enfim, foi o primeiro a se tornar lucrativo, privatizando os serviços turísticos. Ele acaba agora de pôr em prática sua última novidade. Transformou em festa coletiva o que seria uma solenidade oficial, graças à campanha que desde 2007 recolhe fotografias e histórias de moradores da região. Saídos dos álbuns e armários, mais de 4 mil instantâneos antigos voltaram à luz, revelando, sem qualquer truque retórico, que o parque está entranhado nas melhores lembranças de famílias de pioneiros dali. Faltava, mesmo, essa reconciliação. Sem a mata atlântica, conservada como relíquia em suas bordas, depois de desertar todo o oeste do Paraná, aquelas cachoeiras não seriam o que são. Essa ideia revolucionária só ocorreu aos EUA em meados do século 19, porque o país precisava reagir às críticas do francês Alexis de Tocqueville - o mesmo que consagrou internacionalmente a jovem democracia americana - ao fiasco das Cataratas do Niagara, reduzidas em 1831 a um mafuá da livre iniciativa. Pode soar estranho que os parques nacionais existam para provar que, ao contrário do que diziam os europeus, a América era o berço de uma civilização. Mas as quedas d?água às vezes servem para iluminar cabeças. * É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

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