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ONU vê risco de conflito em 46 países por causa da água

Para Organização das Nações Unidas, recurso será causa número 1 de guerras na África até 2030

Por Jamil Chade e GENEBRA
Atualização:

Água. Esse será um dos principais motivos que levarão países e grupos armados a entrarem em conflito nos próximos 25 anos. O alerta é da Organização das Nações Unidas, que, num estudo preparado para o Dia Mundial da Água, aponta que o acesso à água será a causa número 1 das guerras na África até 2030, principalmente em regiões pobres que compartilham rios e bacias. "Identificamos 46 países, onde vivem 2,7 bilhões de pessoas, nos quais há alto risco de crises relacionadas à água provocarem conflitos violentos", diz o secretário-geral da ONU, Ban-Ki-Moon, num artigo publicado no sábado. Na União Européia, os chefes de Estado foram surpreendidos na semana passada por um relatório do comissário de Relações Exteriores, Javier Solana, que alertou que a falta de água nos países vizinhos ao bloco vai acirrar a corrida de imigrantes ilegais para a Europa até 2050. Solana, ex-secretário-geral da Otan (aliança militar que reúne Europa e América do Norte), afirmou que as mudanças climáticas poderão reduzir a disponibilidade de água em até 30% em algumas regiões. E defendeu a tese de que o acesso a recursos naturais seja considerado questão de segurança estratégica. Num calhamaço de mais de 500 páginas sobre mudanças climáticas, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que 3,9 bilhões de pessoas no mundo podem sofrer com a falta de água até 2030, 1,7 bilhão a mais do que hoje. Isso representa 47% da população mundial estimada para 2030. E, embora as projeções sejam mais dramáticas para nações pobres, 2,2 bilhões dessas pessoas estarão distribuídas pelos emergentes do Bric (grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia e China). Seja qual for a origem do estudo, todos indicam a mesma coisa: a principal disputa no planeta nos próximos 50 anos não será por petróleo, ouro, carvão ou minérios, mas por água - situação capaz de criar um exército de "refugiados ambientais". Segundo entidades como o Global Policy Forum, os governos precisam estabelecer regras de como usar de maneira coordenada reservas compartilhadas. A Índia é vista como um desses casos delicados. A disputa pelas águas com o Paquistão tem sido um dos motivos para o prolongamento da guerra na Cachemira. Já na fronteira com Bangladesh, os indianos ergueram uma barreira para evitar um maior fluxo de migrantes em busca de maior acesso a alimentos e água. Na Ásia Central, a tensão também é crescente. O Tajiquistão e o Quirguistão controlam 90% das reservas da região. Mas o Usbequistão é o maior usuário e pede acesso facilitado. "Os glaciais no Tajiquistão perderam um terço de sua área apenas em 50 anos, enquanto o Quirguistão perdeu mais de mil glaciais nos últimos 40 anos", diz Solana no relatório. "Há, portanto, um potencial considerável para um conflito em uma região cujo desenvolvimento político, econômico e estratégico tem impacto direto em interesses europeus." A água também é apontada como um dos principais motivos para o conflito em Darfur, na África. A guerrilha é acusada de envenenar reservatórios para forçar a população muçulmana a abandonar a região. Segundo levantamento feito pela ONU em junho, o conflito, que já deixou 200 mil mortos desde 2003, pode ser explicado pela tensão criada entre grupos étnicos no Sudão depois que o acesso a recursos naturais, entre eles a água, foi dificultado pelas condições climáticas. No norte de Darfur, o volume de chuvas caiu 30% nos últimos 80 anos. O deserto avançou em quase 200 quilômetros desde 1930. Outro problema é a disparidade no uso da água. Na avaliação da ONU, uma pessoa precisa de no mínimo 50 litros de água por dia para atender suas necessidades. Mas, nos Estados Unidos, o consumo per capita é 45 vezes maior. Alguns países ricos já aumentaram o preço da água. Na Dinamarca, a alta foi de 54% em dez anos. O resultado foi uma queda no consumo médio de 155 litros por pessoa por dia para 125 litros, ainda bem acima do padrão da ONU. A equação nos países pobres é diferente. Hoje, uma em cada cinco pessoas no mundo não tem acesso a água potável ou saneamento. Os problemas relativos à água não são apenas de consumo. Solana alerta que o derretimento de parte da calota de gelo do Ártico, possível efeito da mudança climática, abrirá novas passagens para navios e oportunidades de exploração de petróleo. Isso recolocaria em debate as diferenças entre países pelo controle do Ártico, até agora literalmente congeladas. Segundo a UE, tais mudanças nas rotas teriam "conseqüências para a estabilidade internacional e para os interesses de segurança" do bloco europeu. A possível tensão entre americanos, russos, canadenses e europeus no Ártico também será tema da agenda da Otan em sua reunião anual, no mês que vem, em Bucareste. Pela primeira vez, a aliança tratará das ameaças relacionadas à disputa pelos recursos naturais. Mais uma demonstração de que generais e estrategistas estão preocupados com riscos de conflitos envolvendo o abastecimento do planeta.

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