O papa Bento XVI na França

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Por Gilles Lapouge
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O papa Bento XVI inicia hoje sua primeira visita à França. O país mobiliza suas pompas: tapete vermelho, Orly, Palácio do Eliseu e discurso em um sublime convento da Idade Média para 700 intelectuais. Depois, irá rumo à gruta de Lourdes, onde a Virgem realizou milagres há 150 anos. Bento XVI vem saudar a França, "filha mais velha da Igreja". Infelizmente, essa filha está em idade ingrata. Em 1905, a república decretou o laicismo e a separação entre Igreja e Estado. Foi um momento doloroso. Com o tempo, a maioria aceitou o laicismo, que ajudou a conter investidas de outras religiões. O declínio da fé é profundo. A missa dominical é rara e, quando é celebrada, é um fiasco. Mas a massa dos franceses se declara católica. Bento XVI terá muito trabalho. A França não o reconhece. Enquanto João Paulo II seduzia, com seu papel profético na História e seu talento de ator comediante e trágico, Bento XVI praticamente inexiste no inconsciente francês. As pessoas retêm apenas que ele é inteligente. Mas no quê? Ninguém sabe. É preciso um dicionário de teologia e outro de filosofia para entender o que ele diz, afirma um padre. Isso, responde outro, porque os católicos não têm cultura religiosa. O papa estaria empenhado nisso. É à reconquista de corações e inteligências que se dedica. Ele se alarma com o relativismo moral e o subjetivismo e retorna à teologia dura para combatê-los. Recusa-se a separar fé e razão. Nessa guerra, dispõe de um aliado: o presidente Nicolas Sarkozy. Há um ano, em Roma, Sarkozy proferiu discurso altamente religioso. Não questiona o laicismo, mas quer mudar seu conteúdo. Quer um laicismo positivo. Sarkozy inventou essa fórmula, que os laicos repudiaram. Já Bento XVI ficou encantado ao ver um chefe de Estado francês se apropriar do princípio sacrossanto do laicismo. E Bento XVI trabalha no mesmo sentido. Os laicos puros e simples contra-atacam. Jean-Luc Mélenchon, um dos chefes socialistas que escreve no Le Monde, descreve o papa (e Sarkozy) como adepto da teoria do choque de civilizações de Samuel Huntington, breviário dos neoconservadores e de parte da Casa Branca. Nesse choque de civilizações, o laicismo imaginado por Sarkozy e Bento XVI seria arma eficaz. Eis o postulado do papa: a fé não é coisa privada e subjetiva, mas uma grande força espiritual que deve iluminar a vida pública. Essa fórmula Sarkozy oficializou, segundo Mélenchon. "Eu deposito minhas esperanças", disse ele, "no advento de um laicismo positivo, que não considere as religiões um perigo, mas um trunfo." O dogma do laicismo tem um século de vida na França e parece aceito por muitos católicos. Na verdade, o fogo crepita sob as cinzas. Um simples sopro e a filha mais velha da Igreja se reacenderia. * Giles Lapouge é correspondente em Paris

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