PUBLICIDADE

''O hospital não trata; quando muito, cuida''

Entrevista - Geraldo Peixoto: pai de André, que tem esquizofrenia; Integrante da Câmara Técnica de Saúde Mental, ele defende a convivência com a família e a assistência ambulatorial

Por Fabiane Leite
Atualização:

Integrante da Câmara Técnica de Saúde Mental do Estado de São Paulo, nos últimos 20 anos o professor de natação Geraldo Peixoto, de 76 anos, foi testemunha de abusos dos hospitais para doentes mentais - e tem sido a voz de familiares que buscam viver ao lado de filhos, maridos e amigos com esse tipo de doença. Em entrevista ao Estado, ele falou sobre sua decisão de viver junto do filho André, de 45 anos, que tem esquizofrenia. Como o senhor viu manifestações recentes de críticos da lei da reforma da assistência, dizendo que ela é "idiota" e a defesa de pais pela internação dos filhos? Se quisessem um conselho eu diria: levem seus filhos para perto, o tratamento é amor. Mas é meu ponto de vista. Eu estive lá. Eu conheço hospital psiquiátrico, não só pelo meu filho, mas nas inúmeras vezes que participei de inspeções com a Secretaria da Saúde. E cada vez fiquei mais crente que o lugar não é lá. O hospital psiquiátrico não trata; quando muito, cuida; porque ainda hoje continuam existindo hospitais horríveis. O senhor, por outro lado, nunca deixou de falar das dificuldades de um pai lidar com a doença. Quem levou soco na cara e chute na barriga fui eu. O que eu quero dizer é que a experiência de lidar com a loucura é só de quem vive com a pessoa. Eu suportei isso tudo. Eu mudei minha vida. Eu era um executivo, trabalhava em uma multinacional de alumínio, joguei tudo para cima e fui dar aula de natação para poder dar atenção ao meu filho. Hoje ele está bem, é meu companheiro, não consigo viver sem ele. Mas são 20 anos de história, não foi do dia para a noite. É muito difícil. Sentia a insegurança dele misturada com raiva. Levei soco na cara, até em restaurante. Mas eu não fugi para a minha torre, não tinha nem torre. Fui aprendendo muito com ele e outros usuários do Caps Itapeva (Centro de Atenção Psicossocial Itapeva, um dos primeiros serviços ambulatoriais substitutivos dos grandes hospitais psiquiátricos). Por outro lado, as críticas pautaram novamente as deficiências da reforma, como a falta de leitos de psiquiatria em hospitais-gerais. Nas grandes cidades, a reforma é realmente muito difícil. Agora, hoje fala-se em coisas que na época em que os hospitais psiquiátricos eram a única forma de tratar não se falava. Fala-se de mortes dos doentes. Já houve épocas no Brasil com 100 mil leitos e não se sabia nada das mortes. E hoje há estatísticas. É o seguinte: todo mundo assimilou o discurso da luta antimanicomial. Ninguém é contra. Todo mundo é a favor. Todo mundo acha que tem de ter Caps, serviços abertos, enfermarias psiquiátricas em hospitais-gerais, o programa de volta para casa. E como é ver a esquizofrenia na novela Caminho das Índias? O desempenho do ator está ótimo. E as pessoas falam muito. Porque é o seguinte, não podemos fazer segredo. Eu não faço segredo da situação do André. Evidente que não dou detalhes para todos, mas o dono da padaria, o barbeiro, sabem. É o território onde você mora. Eu falo. Quando o familiar começa a aprender, tem confiança em si próprio. Porque às vezes o familiar interna porque acha que não vai dar conta. Outro ponto importante é a medicação. Hoje o André está com uma que deu uma virada na qualidade de vida dele. Ele está muito companheiro, dá conselhos, vê até se estou agasalhado, para não tomar friagem. Hoje é ele quem cuida de mim.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.