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Morre Updike, a voz literária do subúrbio nos EUA

Escritor, que criou a série Rabbit (Coelho), sobre um ex-campeão de basquete, sofria de câncer no pulmão

Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

A morte do escritor norte-americano John Updike, ontem, aos 76 anos, vítima de um câncer pulmonar, priva os Estados Unidos do correspondente literário do mais famoso pintor realista americano do entreguerras, Edward Hopper (1882-1967). Hopper, aliás, ilustra a capa do mais recente livro do autor, Cidadezinhas, lançado em dezembro pela editora Companhia das Letras, que publica seus livros no Brasil. Nele, Updike pinta a vida nos subúrbios do nordeste americano, esboçando uma relação simbiótica entre indivíduo e país. Hopper também cruzou a trajetória de indivíduos com a história dos EUA, ao pintar seres solitários em quartos de hotel e teatros semidesertos, frequentemente isolados da comunidade. O subúrbio americano é o ambiente literário de Updike, nascido em plena Depressão. Território do sonho americano, o subúrbio vira uma espécie de projeção mental do escritor que, vítima de psoríase, tinha vergonha da doença e resolveu deixar Nova York em 1957, em plena ebulição artística (expressionismo abstrato) e literária (movimento beat). Updike refugiou-se com a primeira mulher e quatro filhos em Ipswich, pequena cidade ao norte de Boston, e até nisso sua biografia se parece com a de Hopper que, avesso aos expressionistas abstratos, isolou-se em seu estúdio no final dos anos 1950. Por conta do conservadorismo de Updike, especialmente em questões políticas, Norman Mailer costumava se referir à literatura do colega como destinada a agradar leitores pouco exigentes. É uma opinião severa demais para um escritor que pode não ter alcançado o patamar de Philip Roth, mas que, ainda assim, deixa uma herança literária admirável, não só como ficcionista bem como crítico - e, nesse sentido, Bem Perto da Costa (tradução de Carlos Afonso Malferrari, 216 págs, R$ 45,50) é uma prova admirável de seu talento como redator da revista New Yorker, em que publicou ensaios sobre Hawthorne, Melville e Whitman. Nada disso convenceu Mailer. Para ele, Updike encarnava o ideal do homem comum, racista, misógino e absolutamente adaptado ao establishment. Esqueceu de dizer que também era um obsessivo, o que explica sua fixação em séries - como a de Rabbit (Coelho Corre, Coelho em Crise, Coelho Cresce e Coelho Cai), tetralogia sobre um ex-campeão de basquete chamado Harry "Rabbit" Angstrom que sintetiza a crença do americano médio na juventude, no vigor do sexo e, sobretudo, no Deus dos protestantes. Religião, aliás, é uma das preocupações de Brazil (romance de 1994, tradução de Marcos Santarrita, 240 págs., R$ 45), releitura livre da lenda de Tristão e Isolda ambientada no Brasil dos anos 1960 e 1970, em que o mítico casal pula a barreira racial e classista para viver seu grande amor abaixo do Equador. Não é um de seus melhores livros, mas bastante revelador de sua biografia (seus netos são mestiços, filhos de africano). Seu livro mais popular continua sendo As Bruxas de Eastwick, levado ao cinema em 1987, sobre três mulheres que adquirem poderes sobrenaturais após a separação dos maridos. É uma variação sobre um tema recorrente de Updike, o adultério, mas sucumbe à armadilha moralista que prepara para o leitor. Quase tão cartesiano quanto O Terrorista (tradução de Paulo Henriques Britto, 336 págs., R$ 49,50), em que um jovem estudante anticapitalista é atraído pela mensagem fundamentalista de um imã. OBRAS NO BRASIL Bech no Beco ( R$ 50,50) Bem Perto da Costa (R$ 45,50) Brazil (R$ 45) Busca o Meu Rosto (R$ 54) Cidadezinhas (R$ 55) Coelho Cai (R$ 62,50) Coelho Corre (R$ 54) Coelho Cresce (R$ 62,50) Coelho em Crise (R$ 56,50) Coelho se Cala (R$ 56,50) Consciência à Flor da Pele (R$ 47) Gertudes e Cláudio (R$ 45,50) Uma Outra Vida ( R$ 62,50) Terrorista (R$ 49,50) Cidadezinhas (R$ 55) As Bruxas de Eastwick (esgotado, nova edição será lançada em 2010)

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