Ligando os pontos da natureza

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Por Thomas Friedman (The New York Times)
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Quem sabia que nas profundezas do Delta do Okavango, em Botsuana, onde não há estradas pavimentadas, telefones ou TVs, todo dia você pode ter o jornal do dia diante da sua barraca, com as notícias sobre clima e esportes? Na verdade não é um jornal comum. O jornal, aqui em Jao Flats, a noroeste de Okavango, é publicado nas estradas - literalmente. Os pântanos são bisseccionados por trilhas de hipopótamos e estradas estreitas feitas de areia do Kalahari. E quando você sai para investigar a mata, não é raro um guia descer do jipe para analisar rastros de insetos e animais, dizendo que está "lendo as notícias da manhã". Tivemos sorte em ter como guia Map Ives, diretor de sustentabilidade do Wilderness Safaris, que promove o ecoturismo em Botsuana - e foi fascinante vê-lo ler os hieróglifos da Mãe Natureza. A notícia do dia, explicou Ives, estudando um trecho da estrada, era que alguns leões tinham passado em disparada por ali, o que ele conseguiu saber por causa da profundidade anormal das pegadas dos animais e da distância entre elas. Eles seguiam a passos largos. Quanto ao clima, acrescentou que um vento soprava do leste, apontando para o lado em que as marcas estavam um pouco apagadas. Os rios estavam transbordando nessa manhã, porque as pegadas das hienas tinham formado poças d?água no chão. "Notícias de esportes" hoje? Bem, por aqui, as hienas vinham arrastando uma presa, provavelmente um pequeno antílope, o que está bastante claro pelas pegadas leves na areia que entram 40 metros no meio dos arbustos. A cada quilômetro você lê um jornal diferente. É mentalmente exaustivo acompanhar Ives, que cresceu na margem do Delta. Ele me aponta todas as conexões e os serviços grátis que a natureza oferece a cada dois segundos: as plantas limpam o ar; o papiro e o junco filtram a água. As palmeiras crescem num monte de terra criado originalmente por cupins. Sim, agradeçamos a Deus pelos cupins. Todas as ilhas de verde que cresceram no Delta começaram com eles. Os cupins mantêm seus montículos de terra quentes. Isso atrai os animais cujo esterco traz sementes e fertilizantes que fazem brotar as árvores, criando ilhas maiores. Ives falava sobre zebras, quando, de repente, um pássaro passou por nós e ele observou: "Um estorninho de olhos azuis", voltando imediatamente às zebras. "Se você passar bastante tempo na natureza e se permitir diminuir o seu ritmo para deixar que os seus sentidos trabalhem, então com essa exposição e prática você começa a entender o sentido da areia, da relva, dos arbustos, árvores, o movimento da brisa, a densidade do ar, os sons das criaturas e os hábitos dos animais com os quais divide esse espaço", disse Ives. Na verdade, muito tempo atrás os humanos estavam conectados a tudo isso. Infelizmente, acrescentou "a velocidade com que se desenvolveram as tecnologias desde a Revolução Industrial levou tantas pessoas para os grandes centros e cidades, dotando-as de recursos naturais processados", que a nossa capacidade inata para fazer essa conexão "pode desaparecer tão rápido quanto a biodiversidade". E é isso que leva ao propósito deste artigo. Estamos procurando resolver, separadamente, uma série de problemas integrados - mudança climática, energia, perda da biodiversidade, redução da pobreza e a necessidade de plantar o suficiente para alimentar o planeta. Os que lutam para acabar com a pobreza se ressentem com o grupo da mudança climática: os envolvidos com a mudança climática realizam reuniões de cúpula sem fazer referencia à biodiversidade; os advogados da questão alimentar são contrários aos protetores da biodiversidade. Todos deveriam fazer um safári juntos. "Nós precisamos parar de pensar nesses diversos assuntos isoladamente - cada um com seu próprio paladino, eleitorado e programa - para tentar resolvê-los de modo integrado, como eles realmente ocorrem na prática", afirmou Glenn Prickett, vice-presidente sênior da instituição Conservation International. "Nossa tendência é refletir sobre a mudança climática como um problema de energia, mas trata-se do uso abusivo da terra: um terço dos gases que contribuem para o efeito estufa decorre do desmatamento das florestas tropicais e da agricultura. Precisamos preservar as florestas e outros ecossistemas para resolver a questão da mudança climática, e não apenas salvar as espécies." Mas precisamos também dobrar a produção de alimentos para nutrir uma população que cresce a cada dia. "E temos que fazer isso sem derrubar mais florestas e secar mais pântanos, o que significa que os agricultores precisarão de novas tecnologias e práticas para plantar mais no mesmo espaço de terra utilizado hoje, e com menos água", acrescentou. "Savanas, regiões de pântanos e florestas saudáveis não só preservam a biodiversidade e armazenam carbono, mas também ajudam a amortecer os impactos da mudança climática. Portanto, nosso sucesso no trato dos problemas climáticos, da pobreza, da segurança alimentar e da biodiversidade dependerá de encontrarmos soluções integradas para a terra", concluiu Prickett. Em resumo - e como qualquer leitor dos jornais diários de Okavango poderá lhe dizer - é preciso que nossas soluções políticas sejam tão integradas como a própria natureza. Hoje, não estão. *É colunista de economia

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