PUBLICIDADE

Jovem de 17 anos descobre antibiótico

Ele observou que ovos de artrópode não apodreciam ao ficar ao relento

Por Alexandre Gonçalves
Atualização:

Um estudante do terceiro ano do ensino médio descobriu em ovos de aranha um antibiótico promissor. No ano passado, Ivan Lavander Candido Ferreira bateu à porta do Laboratório Especial de Toxinologia Aplicada do Instituto Butantã. Uma amiga da família já recomendara o jovem de 17 anos ao pesquisador Pedro Ismael da Silva Junior. O cientista decidiu ouvir a proposta do rapaz. "Eu queria investigar ovos de opilião", conta Ferreira, que desde os 16 anos cria em casa esses animais - um parente inofensivo das aranhas. Interessado em artrópodes, o estudante leu um artigo sobre proteínas antibióticas encontradas no veneno de vespas: além de paralisar a presa, as toxinas também desinfetavam o alimento. A hipótese de Ferreira era simples. Partia da observação de que os opiliões deixam os ovos ao relento e eles não apodrecem. Deveria haver alguma substância para proteger os ovos de fungos e bactérias, ávidos por matéria viva. O trabalho sobre vespas mostrava que a seleção natural é um laboratório eficaz para a síntese de potentes microbicidas. Em pouco tempo, o estudante percebeu que fora ao lugar certo. No doutorado, Silva Junior investigou a hemolinfa - o equivalente ao sangue - de uma espécie de caranguejeira. Descobriu uma proteína que está sendo testada no tratamento de leishmaniose, doença de Chagas e câncer. ROTINA Antes de gastar tempo com o garoto, Silva Junior resolveu testar sua disposição. Entregou-lhe uma bibliografia exigente e solicitou um projeto de pesquisa detalhado. Ferreira não decepcionou. Semanas depois, voltou ao laboratório com os livros lidos e o projeto impresso. O pesquisador ficou surpreso. Leu a proposta e, animado, organizou sua rotina para receber o aprendiz vários dias por semana. Ensinou-lhe a usar vários equipamentos do laboratório. Duas vezes por semana, Ferreira deixava o colégio, almoçava em casa e, à tarde, pegava um ônibus para o instituto. Ao chegar, vestia o jaleco branco como os demais pesquisadores. Todos ajudavam na sua formação, especialmente o aluno de mestrado Raphael Sayegh, designado como tutor. Silva Junior convenceu Ferreira a trocar os ovos de opilião por ovos de armadeira, aranha agressiva responsável por cerca de 3 mil envenenamentos em 2007. "No laboratório, já criávamos armadeiras para outras pesquisas", explica o cientista. Ferreira testava as substâncias que conseguia isolar em colônias do fungo Candida albicans - causador de uma micose conhecida popularmente como "sapinho" - e da bactéria Microccocus luteus. Quase inofensivos para pessoas saudáveis, os dois organismos podem produzir quadros graves em pacientes imunodeprimidos. A paciência e a laboriosidade foram recompensadas. Colônias do fungo e da bactéria apareceram mortas. O jovem pesquisador havia encontrado a substância que procurava. FUTURO A pesquisa rendeu-lhe quatro primeiros lugares na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace 2009), realizada em março na Escola Politécnica da USP, e um segundo lugar na categoria microbiologia da Feira Internacional de Ciências e Engenharia patrocinada pela Intel (Intel Isef 2009), em Nevada, nos Estados Unidos. Foi a premiação mais alta concedida a um estudante brasileiro no evento americano. Agora, com 18 anos, pretende sintetizar em laboratório a substância que identificou nos ovos da aranha e, assim, realizar mais testes para determinar a toxicidade do composto. Também sonha em cursar Biologia na Universidade de São Paulo (USP). "A oportunidade de realizar um trabalho de pesquisa científica mostrou para mim que essa é a minha vocação", afirma Ferreira. Silva Junior pretende receber outro estudante do ensino médio em seu laboratório. O rapaz já foi escolhido. Tanto ele como Ferreira estudam na rede particular de ensino de São Paulo. "Vale a pena: os jovens hoje ficam empolgados com futebol, com vôlei, com música... Por que não empolgá-los com ciência também?", questiona o pesquisador.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.