HIV ataca células sem invadi-las

Vírus usa meio de comunicação do sistema imunológico para inutilizar linfócitos que não consegue infectar

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Por Alexandre Gonçalves
Atualização:

Artigo publicado hoje na revista Nature Immunology mostra que o HIV, vírus causador da aids, sequestra os mecanismos de comunicação entre as células com o objetivo de confundir o sistema de defesa do organismo. A estratégia do vírus diminui as chances de uma reação natural contra a infecção. O paciente torna-se ainda mais vulnerável à doença. "Por isso, nós chamamos (a tática viral que descobrimos) de ?cavalo de Tróia? do HIV contra o sistema imunológico", diz a pesquisadora Andrea Cerutti,da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. A analogia feita por ela se deve à forma de atuação do vírus. As células B - responsáveis pela produção de alguns anticorpos - são atacadas sem que o vírus precise infectá-las diretamente. Isso porque o HIV injeta nelas uma proteína chamada Nef por meio de uma estrutura de tubos microscópicos lançados por macrófagos - outro tipo de célula de defesa - infectados pelo vírus. No trabalho, os pesquisadores registram o momento do ataque às células B. Os microtubos deveriam fazer parte dos mecanismos de diálogo bioquímico entre as células do sistema imunológico. Por eles, passariam informações estratégicas para combater o vírus. Mas o HIV utiliza-os para disseminar a proteína Nef. Nas células B, a substância interfere na produção de anticorpos específicos, que exercem uma importante ação antiviral. "Nosso estudo oferece uma explicação plausível para o fato de o HIV causar uma catástrofe imunológica mesmo sem infectar todas as células de defesa", explica a pesquisadora. O infectologista da Universidade de São Paulo (USP) Ésper Kallás considera os resultados do estudo uma prova da sofisticação das estratégias usadas pelo vírus para enganar as defesas do organismo. Ele recorda que os pesquisadores também avaliaram a evolução da doença em pessoas infectadas com variantes do HIV que produzem a proteína Nef de forma deficiente. Como esperado, o grupo apresentou um número maior de células B saudáveis e uma resposta mais vigorosa à infecção quando comparado a pessoas com variantes "normais" do HIV. "Em tese, poderíamos pensar em uma droga que inibisse a proteína Nef para prejudicar a ação do vírus", aponta Kallás. Andrea afirma que o grupo de pesquisa responsável pelo trabalho já procura identificar substâncias capazes de interromper a formação dos microtubos. O próximo passo seria avaliar o impacto da estratégia na preservação das células B. GORILAS Em outro estudo, pesquisadores franceses identificaram uma nova forma de HIV em uma paciente da República dos Camarões: o vírus recém-descoberto está intimamente relacionado ao da imunodeficiência símia (SIV, na sigla em inglês), encontrado em gorilas. O trabalho publicado na revista Nature Medicine comprova que gorilas - e não apenas chimpanzés e mangabeis fuligentos - também podem ser fontes para o surgimento de novas linhagens do HIV. Segundo os autores do trabalho, a descoberta confirma "a necessidade de um monitoramento contínuo para a emergência de novas variantes do HIV".

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