HC cria ''3º turno'' para atender pacientes em SP

Por falta de vaga próxima a sua casa, aposentado faz hemodiálise e depois ?viaja? 2 horas de metrô e ônibus

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Por Emilio Sant'Anna
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São 22h45, em Parada de Taipas, zona norte de São Paulo, quando o aposentado Ari Santos, 67 anos, finalmente chega em casa. Com o passo lento e as costas arcadas, parece carregar o peso de mais de duas horas de "viagem" de ônibus e metrô. Saiu as 20h15 do Hospital das Clínicas (HC), na zona oeste da capital, onde passou as últimas quatro horas ligado a uma máquina de hemodiálise. No caminho, ainda na estação da Sé, começou a passar mal dentro do trem. A pressão caiu. Passou o resto do caminho vomitando, resultado da hemodiálise. Não estava bem, mas a vergonha era maior. "Eles devem achar que estou bêbado", diz, olhando para os passageiros. Ari é apenas um dos pacientes do terceiro turno de hemodiálise do HC. Há dois anos, essa foi a saída encontrada pelos nefrologistas do hospital para conseguir atender à demanda crescente de novos pacientes, 45 por mês. "Antes esses pacientes chegavam a ficar até 15 dias internados em macas no pronto-socorro", diz o coordenador de hemodiálise do HC, João Egídio Romão Júnior. Nos hospitais em que os três turnos já estão lotados, no entanto, as internações desnecessárias continuam. É o caso do Hospital Santa Marcelina, na zona leste de São Paulo. Hoje, são cerca de 15 pacientes que poderiam estar em casa, mas por falta de vagas nas máquinas que substituem a função de seus rins, aguardam uma definição internados. São os chamados pacientes de "encaixe". Fazem diálise quando conseguem uma vaga, muitas vezes menos do que o necessário. O desenhista Marcelo Ferreira Barbosa, de 27 anos, é um deles. Após passar quatro dias internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Santa Marcelina, descobriu que apenas o transplante pode salvá-lo. Há 20 dias, aguarda internado uma definição do local definitivo para fazer as sessões de hemodiálise. Por enquanto, fez apenas uma. Ao seu lado, Antônio Carlos Mendes, de 46 anos, passa os dias esperando - até agora, mais de um mês. Seus rins ainda têm 8% de capacidade de filtrar seu sangue. Como não faz sessões regulares, está internado, por segurança. "Por enquanto, ainda tenho esse restinho de rim funcionando, mas, e quando ele parar, pra aonde vou?", pergunta. "Esses são os que ainda conseguem fazer de uma forma ou de outra. Imagine quantos morrem sem ter acesso", questiona o coordenador do serviço de hemodiálise do hospital, Rui Barata. Segundo o presidente da Sociedade Paulista de Nefrologia do Estado de São Paulo, Márcio Dantas, o problema vai se tornar ainda maior nos próximos anos. O envelhecimento da população e o aumento de doenças que se tornaram verdadeiras epidemias como a diabete e a hipertensão contribuem para isso. "Hoje, são pouco mais de 70 mil pacientes em hemodiálise. Nos próximos cinco anos, devem passar dos 100 mil", diz. O desafio do Ministério da Saúde é dar uma resposta eficaz para esses pacientes quando isso acontecer. Enquanto isso, as viagens de Ari devem continuar. "A Saúde para o pobre é como um prato de comida que te dão. Você não escolheu nem sabe o que é, apenas come sem reclamar", diz o aposentado.

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