Haddad e Paulo Renato divergem sobre bônus

Ministro considera critério injusto; para secretário, é a experiência mais ambiciosa nessa área no mundo

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Foto do author Renata Cafardo
Por Sergio Pompeu e Renata Cafardo
Atualização:

Em um debate marcado pelo tom cavalheiresco e pela confluência de opiniões sobre a educação brasileira, uma das poucas divergências disse respeito ao pagamento de bônus aos professores da rede pública paulista. Para o secretário estadual da Educação, Paulo Renato Souza, o programa segue uma tendência internacional e representa hoje a experiência mais ambiciosa nessa área no mundo. O ministro Fernando Haddad considerou injusto o pagamento com base no desempenho dos alunos, o que, na sua opinião, não retrata o comprometimento da escola com a melhoria do ensino. Assista ao debate entre Fernando Haddad e Paulo Renato na íntegra/u> Mais reportagens e informações da educação Paulo Renato disse que, em um universo de 223 mil professores e funcionários habilitados ao bônus em São Paulo, 195 mil receberam o benefício, entre eles 158 mil docentes. O secretário mencionou discurso feito em março pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em que ele falou da necessidade de parlamentares democratas deixarem de lado a resistência à remuneração de funcionários por desempenho, "o que sempre foi tratado como um tabu, especialmente pelos sindicatos". Mas admitiu que o programa precisa ser aperfeiçoado. Citou o caso de várias escolas consideradas as melhores da rede, que não alcançaram metas fixadas pela secretaria. O pagamento do bônus a servidores dessas unidades só foi decidido de última hora, não constava da proposta original. "É preciso reconhecer que as escolas boas puxam a média para cima." "Há escolas que não conseguem atingir as metas por questões alheias à sua vontade, o entorno prejudica mais o desempenho da escola que o que acontece dentro", rebateu Haddad. Ele falou do Plano de Desenvolvimento da Educação, que estabeleceu metas e premia unidades que as atingem com um reforço orçamentário. "As que não cumprem metas não são ?punidas? com o não recebimento do recurso, só que o repasse não é automático, a escola tem de apresentar um plano de trabalho." METAS ADEQUADAS Haddad rebateu críticas de que as metas do plano são muito baixas. Disse que, se elas forem cumpridas, em 15 anos o Brasil alcançará a média dos países desenvolvidos. "O contrário é que deve preocupar. Será que 15 anos é tempo suficiente para que nós alcancemos um patamar de desenvolvimento educacional que outros países levaram cem anos para atingir?" Paulo Renato concordou com o ministro. "O mais importante é que temos metas e as estamos perseguindo." CURSO A DISTÂNCIA A questão foi colocada num e-mail enviado ao moderador do debate pela ex-secretária da Educação Maria Lúcia Vasconcelos. Ela questionou se os cursos a distância não implicariam uma formação "ligeira". Haddad lembrou que, a rigor, não existem cursos a distância stricto sensu no País, porque a legislação, ao contrário da de outros países, exige uma carga horária presencial mínima. "Conheço muitos cursos bons semipresenciais e muitos cursos ruins presenciais." Mesmo assim, o ministro disse que prefere cursos presenciais, porque o ambiente universitário permite uma formação mais ampla. Haddad afirmou que o ensino a distância pode ser um instrumento para a formação de "professores em serviço que estão muito distantes dos grandes centros". Paulo Renato concordou que o meio, nesse caso, é secundário. Citou a Open University, maior centro de formação de professores da Inglaterra, que, antes da internet, usava o correio como mídia. "Em outros países com resultados bastante melhores que o nossos em matéria de aprendizagem dos alunos, a questão da formação de professores está muito centrada na prática, em estágios nas escolas, em que nos primeiros anos em que o professor é admitido na rede ele é supervisionado em seu trabalho diário", disse. "Esse para mim é um ponto mais importante do que simplesmente discutir se será presencial ou a distância." ATRATIVIDADE DA CARREIRA Haddad ressaltou a necessidade de "capilarizar mais a nossa rede de oferta de cursos de licenciatura." Ele destacou a criação de 38 institutos federais, antigos Cefets, centros de ensino técnico que têm de dedicar 20% do orçamento a quatro licenciaturas: física, química, biologia e matemática. "Esses cursos estarão em mais de 300 cidades", afirmou. "Aquela ideia de levar o jovem para a capital, formá-lo lá e imaginar que ele regressa ao município para dar aula tem de ser substituída por uma visão de que é a rede que tem de ir até o jovem e oferecer condições para que ele possa se formar com qualidade." ESCOLA DE FORMAÇÃO Recém-criada, a escola de formação de professores de São Paulo dará cursos de quatro meses a candidatos aprovados em concurso público. A aprovação nesse curso será obrigatória para o ingresso na carreira. Paulo Renato abordou o tema a partir da um questionamento da plateia: o concurso, por si só, não é já o fator de seleção? "Esse curso de quatro meses será parte do concurso", argumentou, afirmando que o objetivo da escola é focar na "prática da sala de aula, tanto na questão dos conteúdos como na didática específica de cada disciplina". O secretário disse que essa forma de dupla seleção, por concurso e escola de formação, já é adotada em várias carreiras públicas, como as do Itamaraty. Pelo raciocínio de Paulo Renato, o concurso avalia de o professor tem formação adequada e o curso o prepara para a realidade das salas de aula da rede. "É uma preparação muito mais prática do que teórica." ELEIÇÕES E EDUCAÇÃO "A temperatura vai aumentar e é natural que isso seja assim", afirmou Haddad. Ele disse que os prováveis candidatos à sucessão presidencial têm "grande maturidade política, sabem as dificuldades de estabelecer um sistema de ensino de qualidade". Haddad disse que o País tem sido, de certa forma, ambicioso nas suas metas para a educação. "Ainda somos um país de renda per capita intermediária, estamos tentando nos aproximar de países com quatro, cinco vezes a nossa renda per capita", afirmou. "Todos os candidatos saberão abordar adequadamente o tema, que é complexo, exige políticas de Estado, perseverança e se, em algum momento, alguém sair do script previsto, não faltarão assessores para reorientar o bom curso da discussão." Paulo Renato comentou que no governo Luiz Inácio Lula da Silva, depois de tentativas de mudanças mais radicais, houve a confluência para uma política coerente "com o que se fazia" na gestão Fernando Henrique Cardoso. Ele destacou a importância de movimentos da sociedade civil, como o Todos pela Educação. "Chegamos a um certo consenso do que deve ser feito." QUEM É: Paulo Renato, secretário de Estado da Educação Ocupa o cargo pela 2.ª vez. A primeira foi de 1984 a 1986 no governo Franco Montoro. Ele também foi ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). É criador do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), do Provão (atual Enade), do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef, atual Fundeb). Antes havia sido reitor da Universidade Estadual de Campinas e participou da fundação do PSDB, partido pelo qual é deputado federal licenciado. Fernando Haddad, ministro da Educação Está na ministério desde 2005, onde foi secretário executivo na gestão de Tarso Genro. É idealizador de programas de impacto: os Centros Educacionais Unificados (CEU), quando trabalhava na Prefeitura de São Paulo, na gestão de Marta Suplicy, e o Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsas para alunos carentes em instituições particulares. É bacharel em Direito, mestre em Economia e doutor em Filosofia pela USP, onde é professor. Também é filiado ao PT Repercussão Rubens Mandetta, coordenador de Ensino do Interior da Secretaria Estadual de Educação "O debate foi de alto nível. Esperava um embate maior, mas não ocorreu, o que mostra que as pessoas são educadas. Pudemos perceber que a política nacional e estadual de educação privilegia a busca ela qualidade de ensino. Também vimos a interação entre os dois partidos (PT e PSDB), o que é positivo para a Educação, já que as mudanças no ensino levam anos para acontecer'' Stephanie Ordoñez, 23 anos, estudante de Pedagogia da Universidade de São Paulo "Na faculdade de Pedagogia discutimos exatamente o oposto do que foi apresentado aqui. Eles defenderam as aulas práticas para a formação de professores, mas o curso também forma gestores da Educação. Se a teoria fosse mais aprofundada, sem tanta metodologia, o curso prepararia melhor ambos os profissionais" Gunter Pollack, secretário executivo da Fundação de Rotarianos de São Paulo ''Achei positivo porque deu a perspectiva de que o investimento em Educação melhora a renda e o desenvolvimento do País. Mas eles não responderam à pergunta sobre a seleção do professor, se iremos avaliar o profissional que tem vocação para educador ou para funcionário público'' Amália Magalhães, professora aposentada de Física e Matemática "Saio decepcionada deste debate. Esperava receber do ministro algo mais concreto sobre os problemas reais da educação. Não abordaram pontos cruciais, como o sistema de vestibulares que aprova mais alunos de escolas particulares e o que será feito para que estudantes de escolas públicas também tenham sucesso nesta prova" Ivan de Carvalho, 24 anos, estudante de Pedagogia da USP "Na única pergunta feita diretamente a ele, sobre a presença da Polícia Militar no câmpus da USP, o secretário Paulo Renato se esquivou alegando que a universidade é uma autarquia e o assunto não diz respeito à área dele. Mas para implementarem políticas educacionais na USP, o governo não respeita a autarquia" Maria Izabel Noronha Presidente da Apeoesp, sindicato dos professores da rede estadual "Houve vários pontos de convergência, mas os dois demonstraram diferentes pontos de vista quanto ao bônus. Paulo Renato também diz que não se pode tratar a avaliação como forma de punição, mas na prática há uma exclusão (...) Há consenso de que as eleições não vão atrapalhar as políticas que já estão sendo encaminhadas (...) O ministro Haddad tem razão quando diz que não precisa ter medo de discutir com o sindicato. É corporativo mesmo, não pode ser é ideológico"

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