''Greve é arma legítima, piquete é ilegal''

Advogado de 63 anos defende avaliação dos cursos e mudanças no programa de inclusão da universidade

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Por Renata Cafardo
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Em meio à greve que completa 55 dias, surge um candidato a reitor da Universidade de São Paulo (USP). O diretor da Faculdade de Direito, João Grandino Rodas, é o primeiro a declarar intenção de substituir Suely Vilela, defendendo avaliação de cursos, mudanças no projeto de inclusão e mais diálogo. Para Rodas, houve "excessos" dos policiais que entraram em confronto com grevistas na Cidade Universitária no início do mês, mas a polícia era a "única saída para a reitora". É verdade que não se pode falar em candidatura, já que qualquer um dos cerca de mil professores titulares da USP podem receber votos na eleição de outubro. Mas, tradicionalmente, grupos se unem em torno de alguns nomes. Rodas, especialista em Direito Internacional e ex-juiz federal, é tido como um dos mais fortes. Desde o início do ano, reuniões que discutem um eventual programa de gestão têm a presença de ex-reitores e diretores das mais importantes unidades. Amigos do jurista no governo estadual também têm aumentado seu cacife. Da atual reitora, não tem o apoio. Mas evita falar em oposição. Aos 63 anos, Rodas é viúvo e seu único filho morreu em um acidente aos 16 anos. Na diretoria da faculdade, encolheu as enormes turmas do Direito, mudou o projeto pedagógico e mobilizou ex-alunos para doações que custearam reformas. Neste mês, criou polêmica ao fechar a unidade sem aviso prévio alegando que grevistas promoveriam uma invasão. Rodas presidia o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) durante a compra da Garoto pela Nestlé. Antes disso, foi consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, durante o governo Fernando Henrique. Hoje é membro do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, a mais alta instância de solução de controvérsias do bloco. Leia trechos da entrevista: Por que o senhor decidiu se candidatar a reitor da USP? Ninguém é candidato de si próprio. No dia 21 de maio, um grupo de dirigentes e professores, autointitulado Compromisso USP, que vinha se reunindo para pensar a universidade desde o início do ano, me escolheu como seu porta-voz e, consequentemente, como candidato a reitor. Tal grupo, que é aberto, prepara um plano de ação e em caso de sucesso colaborará na sua implantação. Quais os maiores problemas da USP? O primeiro é estabelecer diálogo amplo, sistemático, transparente, democrático e responsável. Deve-se enfatizar o responsável, pois diálogo não deve ser simulacro. As pautas de reivindicação devem ser claras; as pessoas que o conduzem não devem ser mudadas a cada sessão. Também é preciso reforçar que a USP é uma universidade de pesquisa, bem como foro de discussão de temas fundamentais da sociedade. O terceiro desafio é manter, aprimorar e atualizar a qualidade de ensino de graduação e pós. É necessário prestigiar mais as faculdades e institutos e implantar a avaliação continuada. Defendo o aprimoramento do instrumental administrativo sob o lema "centralização da supervisão e descentralização das ações" e a atualização das instalações físicas. O senhor defende que a USP participe do Enade (avaliação do ensino superior do MEC)? A pós-graduação já é avaliada pela Capes e defendo que entre no Enade para ser avaliada a graduação. Mas a USP, por suas peculiaridades, deveria desenvolver sistemas próprios de avaliação. Isso contribuiria até para a melhora e a permanência dos sistemas de avaliação federais. Como analisa a greve atual? A greve, legítima arma dos trabalhadores, é um instituto jurídico com vários pressupostos. Dentre eles: piquete é ilegal, por impedir o direito de ir e vir. Os servidores em greve devem estar mobilizados para discussão e não ficar em suas casas, como se estivessem em férias. Além disso, em um Estado de Direito há regras. Mesmo com tais condicionantes é possível fazer avançar as instituições e arejar os sistemas de poder. Admiro o movimento estudantil pela sua garra e idealismo. Uma universidade não pode viver sem isso. Mas acho que o movimento deveria espelhar a média de nossos alunos e não estar atrelado a movimentos partidários extra-universitários. Qual sua opinião sobre a entrada da PM no câmpus neste mês? Pelas informações que tenho, vindas da mídia, houve reiterado descumprimento de decisão judicial que determinava a liberação de entradas de prédios da USP. Dessa maneira, restou uma única saída para a reitora, ou seja, a remoção forçada dos que impediam o direito de ir e vir. É de se lamentar excessos havidos na execução dessa ordem de remoção. Diferentemente de como atuou a reitora Suely Vilela em 2007, o senhor chamou a PM para cumprir a reintegração de posse da Faculdade de Direito em uma invasão no mesmo ano. Em 2007, a Faculdade de Direito foi invadida por cerca de 200 pessoas, pertencentes a grupos alheios à universidade, que acorrentaram portas e janelas, mantiveram professores e alunos em cárcere privado e se recusavam a deixar o prédio. Eles levaram 24 crianças e grande quantidade de colchões. A proteção das pessoas e do patrimônio histórico impuseram-me a adoção de solução drástica, mas necessária. Comenta-se que o senhor seria membro da Tradição, Família e Propriedade, do Opus Dei e que teria sido contra o movimento estudantil durante a ditadura. Durante meus estudos, por estudar na Faculdade de Direito no período matutino e na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras à noite, nunca pude prestar atenção ao movimento estudantil. Depois, tendo pertencido à magistratura por largo período, a filiação partidária não me era possível. Dessa maneira tornei-me apolítico. Sou católico, mas, embora respeitando movimentos mais específicos dentro do catolicismo, também nunca me filiei a nenhum deles. Como o senhor analisa a gestão da reitora Suely Vilela? É pessoa preparada, digna e laboriosa e vem realizando boa gestão. Qual sua opinião sobre a inclusão de alunos de escolas públicas na USP e especialmente sobre o projeto Inclusp? O Inclusp foi uma modalidade engenhosa de favorecer a inclusão na USP, sem desconsiderar o mérito. Pode-se dizer que esse projeto tem sido exitoso e, se aperfeiçoado, representa um dos caminhos possíveis para aumentar a inclusão. Qual aperfeiçoamento seria? O Inclusp concede pontos adicionais para candidatos. Se o objetivo fosse aumentar a inclusão, os pontos poderiam ser aumentados. Como analisa a estrutura de poder na universidade? Já foi menos democrática e precisa se tornar mais democrática. Creio ser consenso a necessidade de aumento de representatividade. O senhor é favor de eleições paritárias para reitor? A comunidade universitária deve debater e aprovar uma nova estrutura de poder. Há várias modalidades que podem ser implementadas, entre as quais a eleição paritária. A solução deve ser mais do que mero mimetismo de outras instituições. Como o senhor mobilizou ex-alunos do Direito a doar dinheiro para as reformas do prédio? Isso deveria ser expandido? As novas salas de aula precisavam ser aparelhadas e não havia previsão orçamentária. A receptividade tem sido boa. Começamos a campanha quando a faculdade fez 181 anos, com 181 doadores contribuindo com R$ 1 mil. Hoje passam de 500. Creio que podemos iniciar uma cultura de doações. O senhor acredita que a USP deveria ter um grande projeto de internacionalização? O tamanho e a importância da USP fazem da internacionalização a sua única saída. Isso não significa simplesmente intercambiar professores e alunos nem oferecer disciplinas em outros idiomas, mas integrá-la nos projetos de pesquisa de ponta dos melhores centros universitários do mundo.

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