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Futuro incerto, mas longo

Por Fernando Reinach
Atualização:

Se você se preocupa com o futuro, esta é uma má noticia. A vida na Terra vai desaparecer. A boa notícia é que o desaparecimento vai levar mais tempo do que se acreditava. A preocupação com o futuro é uma característica de animais com cérebro complexo. Talvez um leão se preocupe se vai alcançar a gazela quando dispara em sua direção, mas dificilmente se preocupa se vão existir gazelas para seus filhos comerem em 2050. Com o passar do tempo, os humanos têm se preocupado com eventos cada vez mais distantes. A preocupação que antes se restringia ao futuro de filhos e netos agora se estende ao estado de conservação do planeta nos próximos séculos. Nada como examinar o futuro distante para colocar tais preocupações em perspectiva. Sabemos que o Sol vem esquentado. Desde que a Terra se formou, faz 4,5 bilhões de anos, sua emissão de calor aumentou 30%. Cedo ou tarde estaremos todos tostados. Mas como explicar que nos últimos 3,5 bilhões de anos, desde que surgiu a vida, a Terra manteve uma temperatura relativamente uniforme? A resposta veio com a descoberta do efeito estufa, resultado da presença de CO2 e vapor de água na atmosfera. Esses gases retêm a energia solar refletida pela superfície da Terra, elevando a temperatura da biosfera. Sabemos que à medida que o Sol aumentava a quantidade de energia enviada à Terra, a quantidade de CO2 na atmosfera se reduzia por causa da absorção de CO2 pelos sais de silício. Menos CO2, menor efeito estufa. Isso compensou o aumento da energia solar, mantendo a temperatura estável. Em 1982, James Lovelock, o criador da controversa teoria Gaia, postulou que esse processo acabaria por reduzir a quantidade de CO2 na atmosfera a um nível tão baixo que a fotossíntese se tornaria inviável. Sem fotossíntese, desapareceria a vida sobre a Terra. Como isso deveria ocorrer nos próximos 500 milhões de anos, Lovelock acreditava que 87% do intervalo de tempo em que seres vivos poderiam habitar pertencia ao passado. Estávamos próximos do fim. Agora, um grupo de cientistas americanos descobriu que existe outro fenômeno que pode compensar o aumento da emissão de calor pelo Sol e manter a temperatura da biosfera dentro do tolerado pelos seres vivos. O que eles postularam é que, à medida que o calor emitido pelo Sol aumenta, a densidade da atmosfera diminui e isso reduz a reflexão e o efeito estufa. Quando esse novo fenômeno foi incluído nos modelos matemáticos que simulam a temperatura da biosfera, descobriram que o tempo que nos resta para viver neste planeta aumenta. Em vez de dispormos de somente 500 milhões de anos, é provável que possamos ficar por aqui por mais 2,3 bilhões de anos. Se o número de anos em que a Terra tem condições de abrigar seres vivos passa a ser de 5,8 bilhões de anos e já "gastamos" 3,5 bilhões, ainda nos resta 40% do total de anos para usufruir o meio ambiente de nosso planeta. Ficou mais aliviado? O mais interessante é que esse aumento no tempo em que um planeta é compatível com a vida pode facilitar a identificação de planetas semelhantes à Terra. Talvez seja nesses planetas que o Homo sapiens, que surgiu faz somente um milhão de anos, tenha alguma chance de encontrar outros seres vivos preocupados com o futuro. Com tantas coisas interessantes para se preocupar no longo prazo, vale a pena se preocupar com o dia de amanhã? *Biólogo - fernando@reinach.com Mais informações: Atmospheric pressure as a natural climate regulator for terrestrial planet with a biosphere. Proceedings of the National Academy of Sciences, vol. 106, pág. 9.576, 2009

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