Especialista propõe pré-natal psicológico

Para ela, imagem idealizada da figura materna é inconciliável com a mulher dos dias atuais

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Por Redação
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Mesmo com todas as mudanças sociais dos últimos 50 anos, desde a infância a menina ainda treina com suas bonecas para ser uma boa mãe: aprende que deve ser amável, tranqüila, compreensiva, terna, equilibrada e acolhedora em tempo integral. Cresce ouvindo frases como "ser mãe é padecer no paraíso", "toda mulher nasceu pra ser mãe" ou "toda mãe tem uma predisposição ao sacrifício". Quando se torna adulta e chega a hora de assumir esse tão aguardado papel de mãe, ela espera a realização da imagem romanceada que ainda persiste. "Acontece que a maioria das mulheres, quando nasce um filho, experimenta sentimentos contraditórios e inconciliáveis com a imagem idealizada da maternidade", explica a psicóloga Alessandra da Rocha Arrais, professora da Universidade Católica de Brasília. "Estabelece-se um conflito entre o ideal e o vivido, gerando um sofrimento psíquico que pode servir como uma base para a depressão pós-parto", conclui. Especialista no tema, e com experiência em atender gestantes em consultório, ela propõe um modelo de pré-natal psicológico, no qual as mulheres deveriam receber apoio para reconstruir sua imagem de mãe. A idéia é que elas se preparem melhor para assumir esse papel e lidar com as mudanças que ele traz - com mais ênfase nos conflitos reais do que nas projeções de comercial de televisão. Para isso, seria preciso um preparo maior das equipes de saúde, ainda sem formação para isso, acostumadas a prestar atenção apenas no lado fisiológico das gestantes. "A pressão social sobre a mãe, sobretudo nos dias atuais, em que a mulher acumula várias outras funções, faz com que ela não se sinta autêntica e sinta-se incapaz", conta ela. "Um pré-natal psicológico, além de prevenir uma série de doenças e problemas com a mamãe e o bebê, também serve como prevenção de uma depressão. E no pós-natal, as tradicionais consultas puerperais deveriam ter seu foco ampliado para as questões emocionais, culturais e sociais envolvidas na maternidade e na paternidade", diz a psicóloga. "Há uma nova mulher na sociedade atual, mas que vive sob o manto das velhas representações, pois continuamos cobrando delas o velho modelo de mãe idealizada. O problema é que as mulheres de hoje têm outros interesses, desejos, informações, expectativas e, sobretudo, outras alternativas para se realizarem como mulher, que não estão mais restritas à maternidade", conclui Alessandra. E isso não quer dizer que a maternidade não seja mais um desejo, mas apenas que a forma de vivenciá-la muda com o tempo - talvez como mudam as exigências das mulheres. "Sempre quis ser mãe e esperei a hora que achava certa para isso. Estava casada, tinha um emprego legal, planejei o quarto do bebê, a licença-maternidade, procurei a babá. Fiz tudo direitinho", conta a dentista Lídia, de 35 anos, que prefere não se identificar. "Só que nada foi como eu esperava. No começo, o bebê chorava demais, não dormia, eu não conseguia dar o peito, meu marido tentava me ajudar, mas me pressionava e acabava atrapalhando", afirma. "Me sentia uma ama de leite, longe do mundo, isolada dentro de casa com um bebê que chorava. E quando meu marido chegava do trabalho à noite, contando do dia que ele teve, do que viu, do que fez, dos amigos, eu ficava com mais raiva ainda. Nunca imaginei que me sentiria assim." Ela diz que o período mais difícil durou até os oito meses. Foi quando ela mesma, sozinha, decidiu procurar um terapeuta. "Na primeira sessão, só chorei. chorei, chorei. Mas foi quando comecei a ter o controle de novo e a enxergar o que estava acontecendo", conta. "Foram oito meses muito complicados, nos quais perdi o chão e até minha capacidade de julgamento. Tive de reconstruir tudo o que eu imaginava." Hoje sua filha tem 3 anos, o casamento que passou por uma crise está em pé novamente e ela pensa em ter outro bebê. "Mas com os pés no chão dessa vez. Ser mãe, como eu sempre imaginava que seria, é mesmo uma mudança total na sua vida. Você sente um amor único, experimenta o que é nutrir um filho, saber que ele cresceu dentro de você e depende de você. Mas até você chegar nesse ponto, há muito sofrimento e muito conflito pra resolver. É um amadurecimento enorme."

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