Em 11 dias, mulher perde 1 filha e 1 neto

Doença foi registrada como ''atípica''

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Por Lourival Sant'Anna
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O agente de saúde pergunta a Amada Reyes quantas pessoas moram em sua casa, na periferia da Cidade do México. "Éramos 14. Agora somos 12", responde a diarista, de 66 anos, com olhos embaçados. Em 11 dias, ela perdeu uma filha e um neto, com sintomas da gripe suína. Outro filho, que sustenta a casa, está internado. Por ordens médicas, a família está confinada há uma semana e deverá ficar assim por mais duas, sobrevivendo com ajuda dos vizinhos. Viviana, de 23 anos, a mais nova dos nove filhos de Amada, começou a ter febre de 40°C, dor de cabeça, tosse, dor no peito e ânsia de vômito no dia 10 do mês passado, Sexta-Feira da Paixão. Amada telefonou para a médica, que receitou penicilina. Viviana piorou. Às 6 horas do domingo de Páscoa, foi levada a um hospital. Deram-lhe naproxeno (anti-inflamatório) e paracetamol, receitaram isodine (antisséptico) e xarope para a tosse e a mandaram para casa. Viviana continuou piorando. Às 13h30, foi levada de volta ao hospital, internada e entubada. Às 18h30, morreu. No seu atestado de óbito, anotaram: "pneumonia atípica". Dois dias depois, Pedro Gilberto, de 26 anos, neto de Amada, que o criou, começou a ter os mesmos sintomas. Mas só no dia 23, horas antes de o governo anunciar a epidemia, quando começou a excretar catarro com sangue e seus lábios e unhas ficaram roxos, foi levado a um hospital, que o internou de imediato. Pedro já não podia andar. Seu primeiro diagnóstico foi pneumonia. Depois, mudou para enfisema pulmonar e problemas cardíacos. Foi medicado com o antibiótico Tamiflu, mas morreu no dia 26. Com a epidemia conhecida, a família foi orientada a cremar o corpo e jogar fora colchões, lençóis, roupas e objetos pessoais de Viviana e Pedro. Até hoje, estão amontoados no quintal. Mariano, de 41 anos, foi levado no mesmo dia que Pedro para a Clínica 8 do Instituto Mexicano do Seguro Social. "Os pulmões dele estão muito mal", conta sua mulher, Rosario. Segundo ela, seu marido está sendo bem atendido, sobretudo depois que a tragédia da família foi noticiada por uma emissora de rádio. Mecânico, ele sustenta a casa com um salário mínimo de 1.200 pesos (R$ 200). Seu irmão Eduardo, de 30 anos, também mecânico, está desempregado. Amada ganha 150 pesos (R$ 25) por dia como diarista, mas, assim como os outros na casa, não pode sair para trabalhar. Os vizinhos têm mandado cloro, sabão, feijão, arroz, ovo e açúcar. "A única coisa que peço é que cuidem bem do meu Mariano e que ele volte logo", diz Amada, perto da coroa de flores e da cruz usadas no velório de Pedro. A história da família, de idas e vindas a hospitais públicos e mortes mal explicadas com os sintomas da gripe suína, repetiu-se em muitos lugares no México. Essas histórias sugerem pelo menos duas coisas: a precariedade do sistema público de saúde contribuiu para o número de mortes no México, considerado o epicentro mundial da epidemia; e a possibilidade de uma brutal subnotificação contida nas 19 mortes confirmadas pela nova doença. Na manhã de domingo, uma equipe do programa federal Caravanas da Saúde, com um médico, um dentista, uma enfermeira e um agente de saúde, foi à casa de Amada para examinar e colher amostras de mucosa de todos os membros da família. Vários deles têm tido tosse, dores no corpo e febre. Depois da visita, a equipe foi dar orientações aos vizinhos. Há 110 equipes como essa no México. Até sábado, haviam atendido 17,3 mil pessoas, das quais 7 foram diagnosticadas com a gripe suína, segundo o ministro da Saúde, José Ángel Córdova.

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