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Eles são os geeks

A moçada fanática por tecnologia criou um estilo próprio e, ao contrário dos nerds de antes, gosta de sair e conhecer gente nova

Por Ciça Vallerio
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Na mesa de um bar sem glamour, localizado no circuito badalado dos Jardins, a conversa é regada à cerveja e tecnologia. Com a barulheira, mal dá para pescar uma palavra do bate-papo, permeado por expressões que deixam leigos a ver navios: dump, kernel, server, edge, twitter... Apenas aquele grupo de 15 pessoas, a maioria na faixa dos 20 e poucos anos e fissurada pelo mundo virtual, entende essa língua. Eles e elas fazem parte de uma tribo chamada geek, a versão moderninha dos nerds. O movimento ganha força na cidade e já conta com encontro semanal, batizado de "Nerds on Beer", conhecido também por "NOB", que é a abreviação utilizada pelos "iniciados". Munida de laptops minúsculos, iPods, iPhones e tudo quanto é tipo de parafernália hi-tech, essa moçada cresceu diante de um computador. Há 20 anos, eles ficariam "marcados" entre os colegas como os bitolados, CDFs, e seriam motivo de chacota. Só que, nos novos tempos, tais características ganharam status e, agora, os nerds - ou melhor, os atuais geeks - são admirados. "Na minha infância, tinha aversão à palavra nerd", conta o programador Felipe Carrasco, de 24 anos. "Sempre gostei de ler, de vídeo game, computação, mas, ao contrário da imagem estereotipada, nunca fui retraído, recluso. Esse termo perdeu a conotação negativa e comecei a perceber que ser nerd é bacana. Agora me assumo como tal, só que gosto de sair, beber com os amigos, conversar e curtir rock?n?roll." Ele é casado de papel passado - com direito a festa, porém sem a cerimônia religiosa - com a espevitada programadora Jessica Carrasco, de 21 anos. Os dois uniram no matrimônio e no trabalho a paixão por games e pelo mundo virtual. Porém, antes de engatarem namoro, ambos viveram relacionamentos com gente não-nerd. E namorar quem não é do métier pode se tornar um suplício. "O Felipe não levava a ex para beber com a turma com medo de passar vergonha por causa de alguma asneira que ela pudesse falar", conta Jessica, conhecida por Jess, que trabalha num portal de internet. "E eu ficava aflita de ver a cara de tédio do meu ex, quando ele me acompanhava nos encontros com meus amigos." Terminologia Bem longe da imagem do passado, os aficionados por tecnologia assumem o lado nerd sem medo. Há quem ainda os chame de "neo nerds". Mas o termo que está sendo cada vez mais recorrente nesse meio é mesmo "geek", que surgiu como sinônimo de fool (bobo). Lá naquela mesa de bar, onde houve o encontro Nerds on Beer, teve gente que falou que é tudo a mesma coisa, outros tentaram apontar diferenças. De acordo com a definição da Wikipédia, a enciclopédia livre da internet, geek "é uma expressão idiomática da língua inglesa, uma gíria que define uma nova geração de nerds, mais descolados, com interesses voltados para tecnologia e que não abdicam da vida social." "Geek é o termo usado para nerd fresco", brinca Jess. O diretor de arte de uma agência de publicidade e criador de um blog para fãs de iPod e iPhone (http://eupodo.uol.com.br), Octavio Maron, de 27 anos, se considera um geek, mas não aceita ser chamado de nerd. Para ele, existe uma sutil diferença entre os dois. "Continuo usando muito a internet, querendo comprar tudo quanto é brinquedinho eletrônico, mas minha prioridade não é internet", ressalta. "Gosto de balada que fuja do roteiro Vila Madalena e Vila Olímpia, curto restaurante e uso a tecnologia para conhecer gente e dividir conhecimento." A consultora de estilo Irina Cypel, especialista em comportamento e tendência, destaca a disseminação desse novo estilo de vida, que já aparece até nas passarelas de desfiles internacionais. "A nova nomenclatura indica uma maneira mais descolada de se vestir", ressalta. "Essa turma criou um estilo próprio, que está muito mais presente na Europa e, em breve, vai estourar no Brasil: usam óculos de acetato com armação grossa e lente de grau, roupas mais justas, jeans, camisa por dentro da calça e tênis. Esse visual tem inspirado até mesmo os não-nerds, e é facilmente visto em áreas moderninhas, como o Saint Germain des Près, em Paris, ou em Londres." Por aqui, especialmente em São Paulo, os geeks investem mais no básico tênis, jeans e camiseta - com alguma estampa divertida, que remeta à tecnologia, ou de uma banda de rock que fuja do mainstream, ou seja, seja bem alternativa. Ah, claro, boa parte não vive sem os óculos de grau! As meninas, por sua vez, investem nos acessórios. A assistente de marketing de uma editora especializada em revistas de tecnologia, Milena Wiek, de 23 anos, assume sem culpa o seu lado "peruinha". Só que, na sua bolsa, além de maquiagem - sua segunda paixão -, carrega celular de última geração, usado para baixar livro da internet, iPod para colocar suas músicas MP3, etc. "Adoro me arrumar", fala ela, mostrando sua sandália Melissa rosinha e o lenço amarrado na cintura. "A diferença é que nós não gastamos os tubos com roupa, porque preferimos investir em eletrônicos, e não somos neuróticas com o corpo, porque nos relacionamos com caras que não colocam a estética em primeiro lugar." A amiga Jess concorda: "os nerds dão valor à beleza física, mas muito mais valor à inteligência." Marco Gomes, de 22 anos, o criador do encontro Nerds on Beer e um dos sócios de uma empresa de software, confirma esse diferencial masculino. "Nerd tem nojo de mulher burra", avisa. "E parafraseando o poeta nerd Ernest Cline, não há nada no mundo mais sexy do que uma mulher mais inteligente do que você." Outra particularidade geek é a monogamia. "Sim, isso é mais comum entre a gente, mas não espalha", brinca Marco, que tem um rolo "fixo". Não é raro encontrar casados entre a turma. Além de Felipe e Jess, Melina também juntou os trapos, ou melhor, os bits e bytes, e vive há quase dois anos com o nerd Fernando Wiek, de 26 anos. PREFERÊNCIA NIPÔNICA A consultora de moda e de boas maneiras, Gloria Kalil, já havia sinalizado essa tendência em um dos capítulos de seu livro Alô, Chics! (Ediouro). Ela fala de uma reportagem que leu no jornal inglês International Herald Tribune, escrita por um jornalista japonês, dizendo que os homens geeks estão com tudo entre as orientais. De acordo com o autor, as mulheres japonesas andam preferindo nerds, por serem mais sinceros, e destituindo os metrossexuais, narcisistas e metidos. Sorte de geeks como Octavio, que está sem namorada e sem pressa de se amarrar. Afinal, quem não quer alguém sensível, que possa ajudar a desvendar os segredos da tecnologia? E como resistir a um convite para uma aula particular de computação? A ala feminina nerd não reclama. Pelo contrário, festeja a profusão de homens que povoam o mundo dos viciados em tecnologia. Para se ter uma idéia do desnível entre homens e mulheres, o Campus Party - evento realizado no começo do ano, quando nerds do Brasil inteiro passaram dias acampados no prédio da Bienal, no Ibirapuera, mergulhados em games e tecnologia - contou com 3,3 mil participantes. Desses, apenas 22% eram mulheres. Mesmo assim, as geeks brasileiras mostraram sua força na primeira edição da Camp Party, realizada este ano. A participação feminina superou a de outras versões do evento, como, por exemplo, a que aconteceu na Espanha, onde o porcentual de mulheres ficou na casa dos 13%. O entusiasmo foi tamanho que aconteceu, no último dia 23 de agosto, o Luluzinha Camp: encontro de blogueiras, "interneteiras" e nerds, em geral, para falar da vida, futilidades e das novidades tecnológicas. Ah, e se você não sabe o significado daquelas expressões do primeiro parágrafo, siga a regra básica dessa turma: coloque no google e descubra! AS MANIAS DELES Detestam carnaval, micaretas e academia. O termo neófilo é usado para designar geeks que têm atração por tudo que é novidade. São autodidatas e amam desafios tecnológicos, por isso, não têm paciência com gente preguiçosa, que não vai atrás do conhecimento. São ávidos por conhecimento. Curtem (muito) games, seriados, filmes e livros de ficção científica, como Star Wars, Senhor dos Anéis, O Guia do Mochileiro das Galáxias. Não são adeptos de esportes tradicionais e fazem do teclado a sua atividade física. São tímidos, porém não ficam reclusos em casa: gostam de socialização. Antenados, compram pela internet camisetas estrangeiras, acessórios e, as meninas, até maquiagem.

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