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Elas são fanáticas por futebol

As meninas estão em blogs, arquibancadas, gramados, programas esportivos e na torcida organizada

Por Cristiana Vieira
Atualização:

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As torcedoras podem até ser minoria, mas são uma minoria atuante. Quando estão no estádio, não perdem a feminilidade. Elas vestem a camisa sem se esquecer de retocar o batom. Mesmo depois de fazerem as unhas, roem tudo na arquibancada. E, dali, entoam gritos de guerra, cobram, xingam e se distanciam cada vez mais do estereótipo machista.

 

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Ela nasceu corintiana, tem o jogador Neto como ídolo e frequenta os estádios desde os 7 anos, levada pelo tio fanático, que precisa até tomar calmantes em dia de jogo. "Quando tem alguma final, ele vai para o cinema assistir a uma comédia ou a um filme infantil para esquecer o jogo", conta Leonor Maria Martins, 27 anos. Mesmo depois de crescer, Leonor nunca deixou de fazer este programa, que é o seu preferido. Para ela, o fim de semana fica vazio quando não tem jogo em São Paulo. "Falta comer a macarronada, vestir a camisa e ir para o estádio", diz. "É muito mais divertido no estádio do que quando vou ao cinema ou a uma festa com amigos", garante.

 

Para evitar maiores problemas, a torcedora tem suas estratégias. Costuma chegar ao estádio uma ou até duas horas antes do jogo. Fica no portão de entrada, observando a movimentação, e aguarda o momento mais tranquilo para entrar – ao invés de pegar longas filas, de onde surge tumulto – e até evita beber, para não dar vontade de ir ao banheiro. "Assim não perco nenhum gol", comenta.

 

Leonor é tão fanática que entrou para a torcida organizada do time, a Gaviões da Fiel, e já foi para o Rio Grande do Sul só para assistir a uma final de campeonato. Também participou de um oportuno grupo de discussão sobre violência em estádio de futebol, na Universidade de Campinas (Unicamp). "A mulher repete o papel do homem no estádio. Sofre, viaja, enfrenta fila...", diz. Na sua opinião, a justificativa para as mulheres ainda serem minoria é o fator histórico, já que o futebol tem poucos anos no Brasil. "Antigamente era um programa elitista. Quando havia alguma mulher, era porque torcia pelo noivo jogador. Passamos a entender o jogo aos poucos", completa.

 

 

Seu filho, de 7 anos, frequenta os estádios desde os 2. Embora o pai seja são-paulino, sempre é Leonor quem o leva para ver o Timão jogar. Ela não nega que já passou por momentos dramáticos, inclusive de confronto com a polícia. No entanto, seu maior sofrimento é mesmo se deparar com a desorganização. "Como consumidores, temos de aprender a levar essas denuncias à Corregedoria e à Ouvidoria da CBF."

 

MINISSAIA E SALTO

A primeira vez de uma mulher inexperiente em estádio de futebol rende, no mínimo, histórias tragicômicas. Quando decidiram ver o Palmeiras jogar, Vanessa Funabashi Sanchez, 33 anos, e sua única amiga palmeirense não tinham nem os ingressos. Recorreram ao cambista. Mas não conseguiram passar do portão, pois os ingressos eram falsos, e tiveram de encarar a fila da bilheteria. Além disso, o tempo estava fechado e, para se prevenirem, compraram capas de chuva que custavam a metade do preço dentro do estádio. No final da partida, voltaram para casa com um vocabulário superatualizado de palavrões que jamais imaginavam existir. Apesar de tudo, a única coisa que Vanessa lamenta é ter sido pé frio.

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Conta que sempre evitou os clássicos para fugir de brigas, e a única partida desse gênero que viu estava entre dois engravatados na numerada! Hoje, é casada com um são-paulino, mas só uma vez brigaram feio por causa dos times rivais. "O São Paulo começou a partida ganhando e ele me provocava. Quando o Palmeiras virou, ele perdeu a linha. Ri muito", lembra.

 

A são-paulina Patrícia Lopes, de 26 anos, frequenta os estádios há cerca de quatro anos. Na sua estreia, no Morumbi, aconteceu de tudo. Ela foi com uma amiga gaúcha corintiana, que estava de saia e sandália de saltinho. Chegaram apenas meia hora antes da partida. E sem ingresso. Ainda por cima, acreditaram na lorota de um cambista "autorizado", que lhes vendeu o melhor lugar do estádio. "Eu até perguntei porque tinha gente na fila, já que oferecia um ingresso tão bom. Ele se justificou, dizendo que na bilheteria os torcedores pagavam com cartão de crédito, mas que, no seu caso, tinha de ser em dinheiro", lembra. O pior é que ali engataram uma conversa e as duas, empolgadas, contaram que estavam no estádio pela primeira vez. "Ficamos superfelizes e quase dei um abraço nele", lembra Paty, para quem o tal cambista deve estar rindo da embromação até hoje.

 

O problema começou quando ela notou que o portão de entrada que constava no ingresso levava à arquibancada. Por um momento, tentou argumentar com o segurança que seu bilhete dava direito à numerada:

 

– Ficamos logo atrás do gol. Estava tudo vazio. Achei estranho, mas ótimo, porque era um dia quente. Não demorou muito e a torcida Independente foi se aglomerando no lado extremo. Fizemos tudo errado. Sentamos no canto e logo a bateria se instalou ao nosso lado, cantando e fazendo coreografia.

 

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Cansadas do barulho, decidiram subir para o lugar mais alto. Mal chegaram lá, ouviram alguém gritar: "bandeirão!" "Tivemos de ficar embaixo de uma bandeira enorme do time. Não vi quase nada do jogo", lembra Patrícia. E quando pensaram que já tinha acontecido de tudo, o Corinthians fez gol e a amiga comemorou. Ui! "Só ouvi o grito de que tinha gambá (como os rivais se referem aos corintianos) ali no meio, e começaram a apontar para a gente. Eu logo comecei a berrar que não éramos nós."

 

Depois dessa, passaram o resto do jogo imóveis e em silêncio. Ao final, ajudaram a carregar a bateria e esperaram passar a "muvuca" para irem embora. Caminharam até um posto de gasolina e voltaram para a casa de táxi. "Só tivemos de parar no banheiro antes."

 

Mesmo com a experiência traumática, ela voltou algumas vezes ao estádio, mas com o irmão. E teve lá sua redenção:

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– Não poderia acompanhá-lo em um jogo, porque estava sem ingresso. Nos encontramos em um shopping para almoçar e fomos a uma loja de esportes. Lá, ouvi um rapaz ao celular, dizendo que o pai não iria ao jogo e que tinha um ingresso sobrando. Não titubeei e perguntei se ele queria me vender. No fim, acabei ganhando o ingresso para a área vip, com direito a estacionamento e tudo. E, depois, ainda fomos a uma festa com a presença de toda a comissão técnica e jogadores.

 

CULTURA FUTEBOLÍSTICA

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A equipe de futebol feminino do Santos levantou, recentemente, a taça de campeã da Copa Libertadores da América de Futebol Feminino. Pudera, com a rainha Marta em campo, eleita quatro vezes a melhor jogadora do mundo pela Fifa, ficou fácil golear o time paraguaio, Universidad Autónoma. E é Marta e sua companheira de time, Cristiane, quem inspira e incentiva a nova geração de jogadoras brasileiras.

 

Para a mulherada que curte ou quer se informar dos temas do mundo futebolístico, o site Torcida Feminina (www.torcidafeminina.com.br) é uma ótima fonte de referência. Há dois meses no ar (e em busca de patrocinadores), traz notícias, reportagens, enquetes, vídeos, bastidores, perfis de torcedoras, dicas de moda no estádio e até a eleição do "muso" do brasileirão, uma versão feminina para eleger o jogador mais bonito do campeonato.

 

Além de todas as informações, é oferecido um ótimo serviço para as mulheres que ainda usam a velha desculpa de que não vão ao estádio por falta de companhia: o leva-e-traz. Trata-se de um serviço de transporte (a partir da Avenida Paulista) que inclui ingresso e até um kit torcedor, com barrinha de cereal, capa de chuva ou bloqueador solar (de acordo com a estação do ano), álcool gel e uma ficha do jogo, para que as integrantes fiquem por dentro do que vai rolar nos gramados. No trajeto, são passados vídeos dos jogos e filmes. "Fomos procuradas para organizar até uma despedida de solteira no estádio", conta a publisher do site, Eliane Sobral. E assim seguem as mulheres. Mais uma vez, entrando em um campo (literalmente) que antes era só voltado para o público masculino.

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