Caçadores do vírus mutante

Cientistas dos laboratórios que fazem a identificação do vírus da [br]gripe suína falam de suas carreiras

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Por Ana Bizzotto
Atualização:

Treinamentos, cursos e um trabalho constante de pesquisa. Reuniões periódicas com autoridades nacionais e mundiais de saúde para tomar decisões que afetarão milhões de pessoas. Essa é a rotina dos pesquisadores brasileiros que se dedicam à investigação dos mistérios de um mutante microscópico: o vírus influenza, origem de todos os tipos de gripe, entre elas a suína. Provocada pelo vírus A (H1N1), subtipo do influenza, ela foi identificada em abril e já infectou mais de 12 mil pessoas em 43 países. Quando surge um vírus novo como esse, todo cuidado é pouco. Os detetives moleculares usam avental de manga comprida, luvas, máscara e óculos para analisar amostras na "capela de fluxo laminar", cabine com aspirador no teto que garante um ambiente mais limpo. "Normalmente, não usamos óculos nem máscara e são raros os casos de pesquisadores contaminados", afirma o médico Celso Granato, chefe do laboratório de Virologia Clínica da Unifesp e integrante da equipe de epidemiologia do Laboratório Fleury há 25 anos. "Desta vez, como não há noção clara do risco, a OMS (Organização Mundial de Saúde) determinou que os laboratórios sigam o nível de segurança 2 avançado." "É uma responsabilidade muito grande, mas me sinto preparado. Já sabíamos que estávamos propensos a ter uma pandemia", diz o virologista Wyller Alencar de Mello, que trabalha há 33 anos no Instituto Evandro Chagas, no Pará. Ele começou como estagiário durante a graduação na Faculdade de Biomedicina e hoje coordena o Laboratório de Vírus Respiratórios do instituto, que faz parte da Rede Mundial de Vigilância da Influenza, criada em 1952 pela OMS. "Quanto mais rápido identificamos o vírus, mais eficiente é a prevenção. O trabalho é muito gratificante: fornecemos subsídios para evitar que pessoas adoeçam." Os laboratórios de vírus respiratórios da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio, e do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, também integram a rede mundial, que reúne 112 centros em 83 países. No Brasil, só esses três laboratórios são autorizados a analisar amostras do influenza colhidas sob a coordenação do Ministério da Saúde. Os dados das amostras são enviados ao Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos, em Atlanta. A partir deles, a OMS define duas vezes por ano a composição de vacinas contra a gripe. "Quem trabalha na rede nunca é pego de surpresa porque há um trabalho constante de investigação. Você troca experiências com profissionais do mundo inteiro", afirma a biomédica Terezinha Paiva, que coordena a seção de vírus respiratórios do Adolfo Lutz. Terezinha está há 28 anos no instituto. Diz que ficou fascinada com as possibilidades da pesquisa científica desde a primeira experiência, feita aos 12 anos em um velho microscópio da escola. "Observei o movimento dos cloroplastos em uma célula vegetal e fiquei encantada, enquanto meus colegas correram de medo. A professora me disse: ?Terezinha, você vai ser uma cientista?." Ela começou a cumprir a profecia ao entrar na primeira turma do curso de Ciências Biomédicas na Faculdade de Ciências Biológicas de Araras (SP). "A célula sempre permeou minha trajetória científica, mas não sabia que viria a trabalhar com vírus." O desejo de fazer pesquisa foi o que levou Marilda Siqueira, formada em Farmácia e Bioquímica na Universidade Estadual de Londrina, a largar o emprego no Paraná e se mudar para o Rio, em 1979. Coordena o Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo da Fiocruz. Para isso, teve de conciliar mestrado e doutorado com a gravidez dos três filhos. "Apesar da correria, valeu a pena. Sou apaixonada pelo que faço. Quando a gente consegue trabalhar em algo que gosta, passa uma mensagem positiva para os filhos." "Pode parecer óbvio, mas você tem que fazer o que gosta", concorda Granato. "Até o 5º ano da faculdade eu queria ser cirurgião. Comecei a estudar os vírus por sugestão de uma professora e gostei." A pesquisa do mutante microscópico já levou Granato a laboratórios da França, Alemanha e EUA e a um ambiente científico mais competitivo. "Eles conhecem profundamente cada tema e têm massa crítica muito grande. No Brasil somos forçados a ser mais generalistas, porque tem menos gente. Lá, a tradição é algo que se sente no ar. Não temos isso, é importante construir." Também médico, Expedito Luna trocou o Recife por São Paulo para trabalhar com saúde pública. Professor do Instituto de Medicina Tropical da USP e membro do grupo de pesquisas de influenza do Instituto Butantã, Luna já ocupou cargos estratégicos no Ministério da Saúde. De 2003 a 2007, por exemplo, dirigiu o Departamento de Vigilância Epidemiológica e Controle de Doenças Transmissíveis. "Temos de formar pessoas que continuem esse trabalho. É um campo rico, que permite aos cientistas propor soluções de aplicação imediata para a população."

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