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Brasileiros reprogramam célula com um único gene

Estudo transformou células neurais em pluripotentes, com capacidade para formar qualquer tecido do corpo

Por Herton Escobar e ÁGUAS DE LINDOIA
Atualização:

Pesquisadores brasileiros da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos, conseguiram pela primeira vez produzir células humanas de pluripotência induzida (iPS) utilizando um único gene de reprogramação - em vez dos quatro usados tradicionalmente. As iPS são células indiferenciadas, com potencial para se transformar em qualquer tipo de tecido do organismo - tal qual as células-tronco embrionárias, porém com a vantagem de não serem derivadas de embriões. O trabalho foi feito pela equipe do neurocientista brasileiro Alysson Muotri, que apresentou os resultados ontem na reunião anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), em Águas de Lindoia, no interior de SP. Muotri e seus colegas conseguiram transformar células-tronco neurais de feto (que podem ser consideradas células "adultas") em células iPS, totalmente indiferenciadas e pluripotentes. Para isso utilizaram um único gene de reprogramação, chamado Oct-4, algo que já havia sido feito com células de camundongos, mas não com células humanas. Normalmente, a transformação requer quatro ou mais genes. Outra inovação do trabalho é que a inserção do gene foi feita por meio de um plasmídeo (um anel de DNA), sem o uso de vetores virais, que podem interferir no funcionamento da célula e induzir a formação de tumores. Os resultados já foram aceitos para publicação na revista PLoS One. A proposta de Muotri é usar as células iPS como uma ferramenta de pesquisa, para estudar o desenvolvimento e a diferenciação de células neuronais coletadas de pacientes com autismo e outras doenças genéticas ligadas ao sistema nervoso. Os primeiros ensaios já mostraram, por exemplo, que os neurônios de pessoas autistas (nesse caso, reprogramados de células da pele) apresentam maior atividade de "genes saltadores", chamados transposons, que podem estar envolvidos no quadro da doença. "Com as iPS podemos reproduzir o que acontece no cérebro autista em um modelo de pesquisa in vitro", disse Muotri. Eventualmente, a mesma técnica usada com as células fetais poderá ser usada para reprogramar células neurais de pacientes adultos, extraídas do bulbo olfativo, afirmou ele. Os trabalhos apresentados na reunião da Fesbe refletem o ritmo acelerado em que avançam as pesquisas com células iPS, que já começam a ganhar preferência sobre as células-tronco embrionárias nos laboratórios. Apesar das expectativas sobre possíveis aplicações clínicas no futuro, a pesquisadora Patrícia Braga, da Universidade de São Paulo, diz que, por enquanto, a ideia é que as iPS funcionem principalmente como uma ferramenta de pesquisa para entender processos biológicos associados a doenças. "Não vejo ainda as iPS como fonte de terapia celular." O repórter viajou a convite da Fesbe.

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