Após acordo político, OMS anuncia 1ª pandemia de gripe em 41 anos

Organização consultou países antes de declarar fase 6 para o vírus A(H1N1) e descartou gravidade da doença

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Por Jamil Chade
Atualização:

Após cuidadoso acerto político, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou ontem que o mundo vive uma pandemia moderada da gripe suína, a primeira do século 21. Isso significa que há transmissão de casos em pelo menos duas regiões do mundo. Porém, em termos práticos, a OMS admite que não há nada novo que os governos possam fazer. A ordem é manter a vigilância e, para as pessoas, a recomendação é ter calma. Veja mapa com avanço da doença no mundo São 28,7 mil casos da doença em 74 países e 144 mortes. No Brasil, os casos confirmados subiram para 52. O Ministério da Saúde informou que nada muda no procedimento adotado (mais informações na pág. A15). A própria OMS admite que a proliferação do vírus influenza A(H1N1) pode ocorrer por mais dois anos e a preocupação principal agora será o impacto nos países pobres. Segundo a organização, a disseminação de casos na América do Sul foi fundamental para a declaração do nível máximo de alerta, que varia de 1 a 6. Por enquanto, a pandemia - a primeira em 41 anos - não significa maior severidade do vírus, mas a constatação de que o problema é global. Além da América do Norte, epicentro da crise, e de países sul-americanos, os casos na Europa e Austrália foram determinantes para declarar a pandemia. Os primeiros registros foram divulgados no final de abril pelo México (que manteve o alerta ontem) seguido dos EUA. Um dos acordos políticos feitos pela OMS com governos é que os países fora da América do Norte onde há novos surtos não seriam nomeados. "Não queremos penalizar países", diz Keiji Fukuda, vice-diretor da OMS. Em 1968, quando a última pandemia ocorreu, 1 milhão de pessoas morreram. Já a gripe sazonal mata entre 250 mil e 500 mil pessoas por ano. Os dados iniciais coletados pela entidade apontam que a atual pandemia não é severa, por enquanto, e o vírus não tem alta taxa de letalidade. "Por enquanto, o que vemos é uma pandemia moderada", afirma Margaret Chan, diretora da OMS. Mas a grande preocupação é o que ocorrerá quando o vírus chegar à África ou continuar a se espalhar em regiões com sistemas de saúde precários, como a América do Sul. "A disseminação é inevitável. Vimos que se trata de um novo vírus e com fácil transmissão", diz Chan. Por enquanto, a maioria dos casos no mundo teve sintomas leves e recuperação rápida. Mas, mesmo assim, surpreendem porque um terço atinge jovens e adultos que estavam saudáveis. "A severidade do vírus pode variar dependendo do sistema de saúde." Um dos temores da OMS é que serviços de saúde fiquem saturados diante do anúncio de pandemia. Mas a constatação é de que o vírus chegou para ficar. "Isso será uma maratona, não corrida de cem metros. Vamos ter de lidar com isso por um bom tempo", alerta Fukuda. "O que estamos dizendo ao declarar a pandemia é que essa disseminação não vai parar." POLITIZAÇÃO Se a disseminação do vírus é clara, o processo de declaração da pandemia se revelou altamente politizado. Em abril, a OMS utilizou pela primeira vez sua escala dos níveis de alerta de pandemia. Diante do surgimento de casos no México e nos EUA, elevou o nível para 5. Naquele momento, a OMS explicou que passaria para o nível máximo (6), o que estamos agora, quando duas regiões do mundo tivessem transmissão sustentável do vírus. Nas semanas seguintes, os casos na Europa explodiram e a OMS esteve prestes a declarar a pandemia em maio. Mas a forte ação política de governos impediu, temendo que causasse pânico e perdas bilionárias na economia, em recessão. Governos como o do Reino Unido pediram que a questão da severidade fosse avaliada e que pesasse na declaração da pandemia. A OMS, porém, não conseguiu chegar a um entendimento com técnicos sobre como faria uma escala da severidade de um vírus. Um dos problemas é que uma doença que, num país rico e com hospitais, pode ser apenas suave, na África pode causar graves danos. Nesta semana, com o aumento sem precedentes de casos, a OMS deixou claro que não teria como evitar declarar a pandemia. Chan decidiu convocar especialistas e se reuniu com os ministros dos oito países mais afetados para debater uma estratégia, entre eles o Chile. "A OMS, finalmente, se curvou aos fatos", disse um dos principais especialista em gripe, Michael Osterholm, da Universidade de Minnesota. Chan insistiu que a decisão foi técnica e alegou que era o vírus que estava "redesenhando as novas leis". A opção foi elevar o nível de alerta, mas minimizar o impacto. A OMS aceitou a recomendação de governos de que não sugeriria nenhum tipo de barreira comercial, fechamento de fronteiras ou de restrição de viagem aos países mais afetados.

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