A tribo das caras pálidas

Há quem faça de tudo para pegar uma corzinha no verão, mas algumas mulheres fogem do sol e valorizam a pele clara

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Por Vera Fiori
Atualização:

Há tempos não se via uma polêmica tão grande sobre o tom de pele. O criador de caso é um produto para clarear o rosto, chamado "White Beauty", que é comercializado na Índia, Coreia e Malásia. A garota-propaganda do cosmético, que gera milhões de dólares na Índia, é uma das atrizes de Bollywood mais famosas do momento, Priyanka Chopra. Na mensagem publicitária, ela reconquista o amor do namorado, que a rejeitara, ao branquear a pele com o tal produto. As feministas protestam e acusam o comercial de racista e sexista (a ideia de ficar branca para segurar o homem), enquanto o fabricante argumenta que o conceito de beleza no Ocidente está ligado ao rejuvenescimento e, na Ásia, à pele mais clara. Há ainda aqueles que não veem nada demais na opção estética das orientais. Branca como a neve ou morena cor de canela, eis a questão. Segundo o dermatologista Marcelo Bellini, a melanina serve como proteção para as radiações ultravioleta A e B. Sobre as diferenças entre morenos e claros, estes últimos têm algumas desvantagens: - Notamos que as pessoas de pele clara apresentam sinais de envelhecimento mais precocemente. Em geral, este tipo de pele pode apresentar menos espessura e menor quantidade de colágeno e fibras de sustentação, tornando perceptível o aparecimento de linhas de expressão e rugas. Se a pessoa tem olhos claros apresenta intolerância maior à luminosidade e, assim, força mais a musculatura ao redor dos olhos, realçando sinais de pés de galinha ou rugas de preocupação. Ainda de acordo com o médico, o envelhecimento da pele muito clara resulta de uma combinação de fatores: genéticos (tipo de pele e perfil familiar), estresse, fumo e, principalmente, a exposição à luz solar. No caso dos morenos que tomam muito sol, observa que a radiação dia após dia provoca o envelhecimento precoce, linhas de expressão, redução do colágeno, aparecimento de pequenos vasos, além de manchas nas mãos e no rosto. Resumindo, o sol faz mal para qualquer tipo de pele. "LEITINHO" Do lado de cá do Equador, parece que a obsessão pelo bronze, ostentando a marca do biquíni, ficou perdida na década de 1970, quando se passava de tudo no corpo, menos filtro solar. Em pleno Rio de Janeiro, por exemplo, não são poucas as mulheres que fogem do sol como o diabo da cruz. Uma delas é a pesquisadora Manuela Fantinato, de 25 anos, a garota da nossa capa, e cujo apelido na escola era "Leitinho": - Sofri com a exclusão no meio das amigas morenas ! Sempre que tomava sol, ficava vermelha, e descascava logo. Com o tempo, assumi a brancura e, hoje, só vou à praia bem cedo, antes do trabalho ou à tardinha.Uso diariamente um filtro solar 25 no corpo e 60 no rosto. Acho que cada pessoa tem a sua arma para valorizar o tipo físico. Para quebrar o look aguado, por exemplo, tingi o cabelo de vermelho e usei o ruivo por um bom tempo. No momento mudei de novo e estou loira. Sua nécessaire, conta, é minimalista: uma base no tom mais claro da cartela de tons (Cashmere, da L?Oréal) e um batom vermelho.Todas as noites passa um creme com ácido, recomendado por sua dermatologista. NADA DE SOL Paulista de Santo André e atualmente morando no Rio, a atriz Regiane Alves é um dos rostos mais bonitos da nova geração de atrizes. A pele clarinha é tratada a pão de ló pela dermatologista Maria Tereza Tieppo. Regiane, que no começo da carreira usava o cabelo bem escuro, em função das personagens na telinha, adotou agora o mel, que valorizou ainda mais o seu tom de pele. A atriz afirma que jamais se aborreceu por não ter nascido morena. "Nunca fiz maluquices para pegar sol, até porque sou muito branquinha! Só experimentei o bronzeamento artificial uma vez e, mesmo assim, por conta do papel que vivia na novela Mulheres Apaixonadas." Apesar de ser jovem e ter uma pele bonita, a TV exige muita maquiagem. "Minha dermatologista recomenda limpar bem o rosto e passar creme específico para acne. Uso produtos manipulados para limpar e tonificar, e não dispenso filtro solar todos os dias. Para a praia ou piscina, levo óculos escuros e chapéu." Regiane conta que gosta de maquiagem, mas, como usa muito no seu trabalho, prefere ficar de cara lavada no dia-a-dia. Sobre as cores que valorizam o seu tipo, cita o marrom e o tom de boca e, no caso de roupas, o lilás e o vermelho. "Só não gosto muito de cor da pele", conta. Na opinião da atriz, para ter uma pele de pêssego, não bastam os cuidados estéticos: - Acredito que beleza, saúde e bem-estar caminham juntos. Com certeza, a boa alimentação reflete no viço da pele. Não sigo dietas e, há seis anos, me consulto com a endocrinologista Silvia Bretz, do Rio, que acompanha o meu cardápio. Como de tudo sem sofrimento, porém sem exageros. Faço questão de levar para o trabalho "marmitas" preparadas pela minha cozinheira, Mira, que é supercaprichosa e cozinha tudo com pouco sal e gordura. Abuso dos líquidos: adoro sucos, chá verde e mate, e levo sempre comigo uma garrafinha de água. RUIVA NATURAL Julianne Moore, Kate Bosworth, Cate Blanchett são musas com quem a produtora musical Julia Petit se identifica quanto a padrões estéticos. Com um rosto exótico, que inspira os maquiadores, ela conta que herdou a pele clara dos pais. "Quando criança e adolescente, nunca me escondi do sol, muito pelo contrário. Sempre fui à praia e à piscina. Era o que se pode chamar de branquinha bronzeada." Como muitas adolescentes, Julia também testou fórmulas caseiras de "bronzeadores": - Usávamos gordura de coco de cozinha para tomar sol! Depois teve a época do óleo de coco com sementes de urucum. Experimentávamos de tudo. Nunca me fez mal - naquela época, pelo menos. Íamos muito ao Rio de Janeiro e eu passava o dia todo na praia. Gosto de calor e não sou o tipo de branquinha que se esconde o tempo todo do sol. Hoje, aos 36 anos, é bem mais cautelosa. Para proteger o rosto, usa filtro solar com fator de proteção 15 todos os dias. No verão, muda para o FPS 50, nos braços e no colo também: - Depois de uma certa idade, sol no rosto é uma coisa que não existe, em hipótese alguma. Na praia ou piscina, uso protetor solar 50 ou 60 no rosto, óculos e chapéu. Quando quero bronzear o corpo, passo protetor 20. E se não quero, protetor 50 no corpo todo e ainda costumo usar uma camisa fininha de mangas longas. Fica um pouco ridículo, mas protege bem. Para ficar com aparência bronzeada sem correr riscos, lembra que a maquiagem é uma super aliada nessas horas: - Excluindo autobronzeadores, existem algumas bases corporais tonalizantes ótimas, inclusive em spray e que saem no banho. No rosto costumo usar uma base dois tons mais escura que a pele e um pouco de pó bronzeador. Tudo puxando para o rosado, e não para o laranja, que fica horrendo com meu tom de cabelo. No seu blog, Julia dá dicas de beleza, sugere produtos e conta como chegou aos truques de make up: - Aprendi durante a vida toda, com cabeleireiros e maquiadores, e desde bem pequena, sempre gostei de ver minha mãe se maquiando. Amo produtos de beleza, mas a minha nécessaire é bem simples. Tenho sempre hidratante labial e blush cremoso. É só o que uso durante o dia. Gosto também de ter um corretivo, lápis marrom e um rímel preto em casos de eventos de última hora. AR DE MISTÉRIO Editora de um portal sobre sustentabilidade, Mônica Nunes atuou na área de moda por muito tempo e chamava a atenção dos fashionistas pelo tipo físico: cabelo preto, pele de açúcar, olhos verdes e, quase sempre, vestida de preto, dos pés à cabeça: - Quando estudei cores em moda, descobri que minha cartela é invernal, por mais que adore o verão. As cores indicadas são geralmente frias, com pitadas de tons quentes. Mas não me deixei escravizar por essa orientação. Os tons de vermelho que mais combinam comigo são os escuros. Azul eu posso usar à vontade, assim como os tons de verde. Tons fluorescentes - e aqui entra o verde limão - nunca! Amarelo, jamais, e laranja eu evito, a menos que seja num acessório. Mas a minha cor favorita é o preto, sem dúvida. Acho que me deixa elegante, chique, misteriosa, sexy, além de emagrecer. Quando me acho monótona, uso um lenço de outra cor ou uma bolsa para quebrar o look. A brancura está no DNA e, a exemplo de seus pais, portugueses, sempre teve de se proteger muito do sol. Chegou a ficar de molho na cama, com o corpo muito queimado, num dia em que seu pai esqueceu de protegê-la sob o guarda sol. Naquela época, o sol não era tão nocivo como hoje, mas também não existiam protetores solares como os atuais. "Me sentia muito diferente das demais crianças que, depois de um fim de semana de sol ou das férias, voltavam para a escola superbronzeadas e bonitas." Recorda-se de uma turma de meninos da sua classe que dizia que ela e outros colegas tinham caído num balde de cândida, porque eram muito brancos. "Era muito cruel. Por conta disso, durante um bom tempo, preferia usar camisas de mangas compridas e calça comprida na escola." Quando chegou a adolescência, foi na onda das amigas e sucumbiu aos "bronzeadores" caseiros: - Tinha uma amiga de pele morena que era absolutamente viciada em sol, e gostava de experimentar várias alquimias para ter uma pele cada vez mais escura, como Coca-Cola com Nujol e alguns produtos como Rayto de Sol, que eram vermelhos e pareciam colorir a pele. Acabei experimentando um pouco dessas misturas, nunca com resultados iguais aos dela, claro! Com tanto óleo, fritávamos a pele, literalmente. E por mais que minha mãe tentasse me convencer de que eu era bonita com minha cor natural, não tinha jeito. Eu ficava um pimentão, mas achava melhor do que ser muito branca. Vantagens e desvantagens de ter a pele clara? - A maior desvantagem é o cuidado que a pele exige, não só na proteção, como também no que se refere a detalhes estéticos. Os pêlos aparecem muito mais facilmente, nos braços, nas pernas, no buço, então a depilação e a descoloração devem ser impecáveis. Qualquer defeitinho, espinha ou outra interferência, aparece muito facilmente numa pele branca e, aqui, o maior aliado é o corretivo, que não pode faltar na bolsa. Mas as vantagens são grandes também. Num país repleto de morenos, mulatos e negros, os branquinhos chamam a atenção. Ainda mais quando a cor do cabelo e dos olhos valorizam o tom da pele. A pele branca tem um certo tom de mistério, de que eu gosto bastante, também. Mônica fala que, se pudesse voltar no tempo, não se exporia ao sol como fez na adolescência. Hoje usa protetor solar diariamente, sempre. "É hábito mesmo, como escovar os dentes. E não passo só no rosto, mas em todas as partes do corpo que ficarão expostas. Quando quero pegar uma cor, passo FPS 15 ou 8, dependendo do horário, mas sempre reponho o filtro." O fato de ter a pele clara não significa que fuja da praia, areia, calor: -Todo mundo pensa que prefiro o inverno. Mas é o contrário, adoro o sol e o verão. Detesto ter que me encapotar por causa do frio. Gosto de perna de fora, de usar sandálias e roupas mais leves. Adoro praia e não deixaria de frequentá-la só porque não faço questão de me bronzear. Uma alternativa, mas com limitações, é usar autobronzeador, principalmente quando quero amenizar alguma marca na pele das pernas ou dos braços, logo depois do inverno. SÓ NA SOMBRA A maquiadora sênior da MAC, Vanessa Rozan, há tempos resolveu a sua relação conflituosa com o sol. "Quando era adolescente, por volta dos 12, 14 anos, queria ficar bronzeada a qualquer custo e acabava voltando para casa toda descascada. Posso ficar uma semana na praia, pego uma cor, mas não dura muito", diz ela, que, durante as férias, não abre mão de filtro solar 60 no rosto. Também usa óculos, chapéus e viseiras. Por causa de sua profissão, sabe o quanto o sol castiga a pele, causando desde marcas de envelhecimento a manchas, ressecamento e flacidez. Vanessa não tem nenhuma marquinha de biquíni e, quando vai à praia, besunta-se de filtro solar 60 no rosto, e 30 no resto do corpo. "Li em um artigo médico que, até os 18 anos, já gastamos 80% do capital solar ao qual temos direito. Depois dessa idade, portanto, sol é prejudicial à pele." Segundo ela, uma alternativa é apelar para os autobronzeadores e hidratantes tonalizantes. Na maquiagem, aconselha, nada de forçar a barra, usando base em tons escuros: - Deve-se usar sempre uma base que mais se aproxime do tom natural da pele, caso contrário fica parecendo o boi da cara preta: o rosto escuro e o pescoço branco! Para quem tem pele clara e olheiras, não esquecer de usar um corretivo e o blush. Pode ser bronze dourado, em tons de rosa e laranja, colocados estrategicamente em pontos que vão iluminar o rosto, como testa, nariz e bochecha. Entre as cores que não lhe caem bem, cita o bege e o cinza claro, e também estampas florais em tons pastel. Para dar uma levantada no look pálido, tira partido de cores como o vermelho, amarelo limão, vinho e preto. PÉROLAS Na Antiguidade, a pele clara era uma obsessão. Cleópatra banhava-se em leite, enquanto as romanas mais abonadas diluíam farinha de favas e miolo de pão no leite de jumenta. Algumas ainda utilizavam tinta azul nos seios e na testa para parecerem ainda mais translúcidas. Na Idade Média, as bochechas rosadas, usadas pelas aldeãs, tinham conotação de vulgaridade. As verdadeiras donzelas costumavam usar sanguessugas, que tiravam o excesso de sangue do rosto, deixando-as muito brancas, como era a moda na época. No Brasil Colônia, as moçoilas costumavam ingerir vinagre para ficarem romanticamente pálidas. Até o fim do século 19, a proteção da pele esteve associada ao status social e econômico. Corpos bronzeados eram identificados com o trabalho braçal da população rude do campo, que se submetia ao sol implacável. No passado, a maquiagem das gueixas era um artifício para se igualar à tez alva das mulheres das cortes europeias do século 17. A pintura do rosto das gueixas é um ritual que pode levar horas. A maquiagem branca, usada também no teatro kabuki, chama-se oshiroi e é composta por pó de arroz, zinco, dióxido de titânio, glicerina e água. Por sinal, em Tóquio, as mulheres cultuam a pele branca à base de cremes e sabonetes com ação clareadora. Em pleno verão, além de chapéus, é costume usar luvas. Na Hollywood dos anos 1930, a maquiagem das divas Greta Garbo, Marlene Dietrich e Jean Harlow era copiada pelas mulheres: pele pálida, sobrancelhas arqueadas e finas, desenhadas a lápis. O bronzeado só entrou na moda na década de 1950, graças às musas com ar saudável, como Brigitte Bardot e Ava Gardner. Nas telas, duas personagens esbanjaram sensualidade justamente pela palidez. Uma foi a Marquesa Isabelle de Merteuil, vivida por Glen Close no filme Ligações Perigosas, ambientado na França, em meados do século 17. Outra foi a gótica sexy Mortícia Adams, interpretada por Anjelica Houston, no filme A Família Adams.

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