A técnica a favor da proteção

Programa da Esalq/USP recupera mata atlântica de forma sustentável em trecho de 300 ha de reserva legal

PUBLICIDADE

Por Ana Bizzotto
Atualização:

Em meio à polêmica sobre a exploração econômica da área de reserva legal, um projeto desenvolvido pelo Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP mostra que é possível conciliar a restauração de florestas nativas de mata atlântica com o manejo sustentável de seus recursos naturais. O projeto Restauração Florestal e Aproveitamento Econômico venceu a última edição do Prêmio Ford de Conservação Ambiental na categoria negócios em conservação. "Estamos testando a possibilidade de restaurar com ênfase no aproveitamento econômico sustentável, e está dando certo. O prêmio é um reconhecimento de que essa iniciativa é boa", afirma o coordenador do projeto, Ricardo Ribeiro Rodrigues. Implantado em 2007 como modelo em uma área de 300 hectares de uma propriedade particular na região de Campinas (99 km de São Paulo), o projeto deverá ser aplicado em outros trechos de reserva legal. As técnicas utilizadas possibilitam a produção sustentável de frutíferas, melíferas, plantas medicinais e madeira em três estágios de crescimento, com ciclos alternados de exploração que variam de 10 a 12 anos. O projeto faz parte do Programa de Adequação Ambiental de Propriedades Rurais, criado pela Esalq há dez anos. Cerca de 30 pessoas formam a equipe que trabalha na proteção e recuperação de fragmentos da mata atlântica em Áreas de Proteção Permanente (APP) e em áreas de reserva legal localizadas em propriedades rurais ocupadas por atividades agrícolas. "Depois disso é que fazemos o equacionamento do que falta para reserva legal, restaurando com nativas e manejando para a produção sustentada áreas degradadas com baixa aptidão agrícola, fora da propriedade, mas na mesma microbacia ou bacia hidrográfica", explica Rodrigues. Do total de 1,5 milhão de hectares em processo de adequação ambiental, cerca de 45 mil de hectares estão protegidos e 4 mil hectares de APP foram restaurados. A metodologia do programa é baseada nos conceitos de funcionamento das florestas naturais. "Fazemos um diagnóstico das regularidades e irregularidades ambientais e, a partir daí, elaboramos a proposta. Para fazer bem feito, precisamos de tempo, pois todas as ações são definidas respeitando as particularidades de cada local", detalha Rodrigues. Os tipos de uso do solo, as características do entorno e o potencial de autorrecuperação das áreas degradadas são observados para traçar um mapa de ação para cada um dos trechos. Também há um trabalho de monitoramento das áreas já restauradas para identificar em que é possível melhorar. Para o coordenador, o principal sucesso da iniciativa é a conscientização dos proprietários. "Não adianta punir. O certo é chegar a um acordo comum, mostrar que é possível produzir com lucro e ao mesmo tempo proteger e restaurar." O promotor do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente de Ribeirão Preto, Marcelo Goulart, explica que ainda há muita resistência à reserva legal. "Com os pequenos e médios proprietários temos conseguido fechar acordos. Os grandes proprietários, à medida que vão sendo condenados a pagar multas, mudam de posição." A Esalq funciona como um mediador para o cumprimento da legislação, pois mostra aos proprietários as irregularidades e deixa pré-acordado que elas serão apresentadas aos órgãos de fiscalização. "Eles é que acabam nos procurando, pois é uma solução. Em vez de se defenderem das multas, reconhecem o erro e se propõem a corrigi-lo, pedindo um prazo às autoridades", diz Rodrigues. VIVEIRO No município de Batatais (353 km de São Paulo), o programa começou a ser desenvolvido em 2004, por meio de uma parceria entre o Sindicato Rural e a Esalq, e seguirá um cronograma de dez anos. Segundo o diretor do sindicato, Rodrigo Benedini, o programa envolve cerca de 70 propriedades rurais, em uma área de aproximadamente 10 mil hectares. "Muitos tentaram fazer por conta própria antes e foi um fracasso por causa da falta de técnica. Não imaginávamos que a recuperação seria tão cara, mas a ideia foi muito bem aceita. Um projeto como esse melhora a qualidade de vida e é fundamental para as gerações futuras." Em 2008, o sindicato montou um pequeno viveiro de mudas, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural e a Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal. "Conseguimos produzir 30 mil mudas. Ainda é muito pouco, mas já ajudou os pequenos produtores a comprar mudas a preço de custo", comemora Benedini. A organização dos proprietários para o plantio de mudas é um dos principais desafios, segundo o coordenador Ricardo Rodrigues. "Eles precisam se unir para montar os viveiros, pois dessa forma fica muito mais barata a restauração. " Para Rodrigues, o maior limitante da adequação ambiental é a disponibilidade de sementes e mudas das espécies nativas locais. "Universidades e órgãos ambientais deveriam organizar uma coleta de sementes com diversidade para os viveiros", propõe. PARCERIAS A Esalq estabeleceu parcerias com universidades, ONGs, agências governamentais, proprietários de terras e empresas privadas para realizar cursos de capacitação. O objetivo é difundir as tecnologias de recuperação e capacitar equipes de pesquisadores, estudantes, técnicos e produtores rurais para a aplicação da metodologia. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) participará neste semestre do terceiro módulo do curso. "Em São Paulo, existe uma cultura de restauração florestal há mais de 30 anos, mas no Nordeste é um processo incipiente. Essa parceria é de extrema importância", avalia o coordenador da pós-graduação em Biologia Vegetal da UFPE, Marcelo Tabarelli. RESERVA SUSTENTÁVEL O projeto Restauração Florestal e Aproveitamento Econômico foi criado em 2007 e integra o Programa de Adequação Ambiental da Esalq/USP Foi implantado com sucesso em uma área de reserva legal de 300 hectares O aproveitamento econômico consiste na produção sustentável de frutíferas, melíferas, plantas medicinais e madeira A exploração é feita em ciclos alternados de 10 a 12 anos

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.