A saúde dos humanos nos últimos 7 mil anos

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Por Fernando Reinach
Atualização:

A saúde dos humanos melhorou nos últimos 200 anos. Descobrimos antibióticos e desenvolvemos drogas. Vacinas, métodos de diagnóstico e compreensão das causas de doenças foram descobertas. Esses avanços criam a ilusão de que a melhora das condições de vida é um processo gradativo que se acelerou nos últimos séculos. Não é verdade. Resultados preliminares de uma colaboração internacional que busca avaliar a saúde humana nos últimos 7 mil anos mostra que ela vinha piorando a cada século e que essa tendência só foi revertida recentemente. Como avaliar a saúde dos povos que viveram antes do surgimento dos relatos históricos? Em 1988, antropólogos, médicos e economistas decidiram reexaminar esqueletos coletados nos sítios arqueológicos, procurando evidências de doenças. Para que o levantamento representasse cada população, foi preciso estudar esqueletos de diversas culturas. Daí a necessidade de colaboração internacional para que cada osso fosse reexaminado corretamente. Inicialmente foram estudados 12,5 mil esqueletos de 65 localidades. Recentemente, os mais de 70 grupos examinaram outros 11 mil esqueletos de 85 sítios europeus. Com esses dados, frequência e seriedade de doenças foram correlacionadas com o surgimento das cidades, da agricultura e de tecnologias. Seguem exemplos do que ocorreu na Europa desde a Pré-História (antes de 800 a.C.), passando pelo Período Clássico (800 a.C. a 500 d.C.), a Idade Média (entre 500 e 1500) e a Idade Moderna (1500 a 1800). Da Pré-História ao fim da Idade Média, a altura dos humanos, medida pelo comprimento do fêmur, diminuiu 2 centímetros, sendo que no período os habitantes das cidades sempre foram mais baixos do que os do campo. Essa tendência, revertida no século 20, sugere que a alimentação no período piorou gradativamente. Isso pode ser confirmado pela frequência das lesões provocadas pela falta das vitaminas C e D, presentes em apenas 1% dos esqueletos pré-históricos - índice que gradativamente aumentou até 3% a 4% no fim da Idade Média, antes de regredir novamente para 1% no fim da Idade Moderna. Os cientistas creem que isto se deve à introdução da agricultura, que substituiu a dieta diversificada dos coletores por outra rica em carboidratos obtidos com cereais. A frequência de cáries confirma essa interpretação: ao longo do Mediterrâneo, na Pré-História, elas estavam em 2,5% das arcadas. Ao fim da Idade Moderna, sua frequência aumentou para 35% das arcadas. Mas, se essas mudanças na alimentação prejudicaram a saúde, não há dúvida de que elas foram responsáveis por parte do aumento da população, libertando o homem do esforço diário de coletar alimentos. A diminuição desse esforço é a causa provável da incidência de doenças degenerativas nas articulações, cuja frequência caiu para quase um quarto ao longo do período. Talvez esse novo ócio tenha contribuído para as artes. *Biólogo - fernando@reinach.com Mais informações sobre o Global History of Health Project na internet (global.sbs.ohio-state.edu)

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